terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vá ao teatro,

mas não me convide. Não é a toa que as pessoas adoram jogar essa frase na nossa cara quando as convidamos para assistirem uma peça. Eu já falei aqui e repito, pessoas de teatro podem ser muito inconvenientes.

Outro dia a Marina, minha irmã caçula, mais conhecida como O Blim, por motivos que não tenho tempo de explicar agora, enfim, O Blim estava atravessando a Avenida Paulista para ir ao cinema.

Era uma tarde qualquer e minha irmã, que descobriu recentemente que a faculdade que ela esta fazendo não é exatamente o que ela quer fazer, estava matando aula. Um pouco sensível, talvez uma TPM. O Blim atravessou correndo o farol do Conjunto Nacional para não ficar presa na ilha e estava prestes a entrar no Bristol quando ouviu pelas costas a frase que tenho pavor de ouvir.

-Gosta de teatro?

O Blim gentilmente respondeu.
-Gosto. Tenho até uma irmã atriz.
-Que ótimo, então não quer colaborar com a nossa campanha do
Vá ao teatro?

O moço tanto fez que convenceu Marina a preencher uma ficha e desembolsar trinta e cinco reais para assinar a tal da revista. Quando o Blim pegou o formulário nas mãos, já sabia que estava se metendo numa roubada, mas não teve coragem de pular fora, porque pelo entusiasmo do sujeito ela devia ser a única do dia a cair naquela conversa. Aquela seria a boa ação do semestre, só que a coisa piorou quando ela descobriu que só tinha um cartão de débito na carteira.

-E agora, acho que vamos ter que deixar para uma próxima...


Mas o moço rapidamente tirou uma solução da cartola.

-Vamos fazer o seguinte, eu e meu amigo tamo com fome, a senhora acompanha a gente no Mac, paga nosso lanche e a gente deposita depois o seu dinheiro com a ficha no banco.
-Ah tá, então vamos.


Naquela altura, realmente, nada poderia reverter o absurdo da situação. O Blim entrou na fila e eles se fartaram com tudo que tinham direito. Dos lanches aos Nuggets, dos sundaes às fritas. A conta deu trinta e oito reais.

-A senhora não se incomoda de pagar três reais a mais, né?
-Imagina, tô aqui mesmo.


Fiquei chocada com a cara de pau deles e ela me disse depois: "Martha, eu tava achando aquilo tão surreal, já tinha perdido meu cinema, que resolvi que era aquilo mesmo que tava acontecendo e eu não ia contrariar."

Depois ela me mostrou os benefícios do negócio que tinha feito; ingressos para "As Encalhadas", peças espíritas e outras comédias ordinárias.

-Acho que vou tentar "As Encalhadas", da Bibi Ferreira, o que você acha?
-Sei lá Blim, acho que é uma questão de honra, agora você vai ao teatro.
-Tem também um desconto para comer no Piolim, conhece esse lugar.
-Ah legal, conheço, de quanto é o desconto, cinquenta porcento?
-Não, dez.
-É Marina, realmente, você foi uma presa fácil.


Lembrei que dez anos atrás, sem querer e tentando ajudar uma moça a conseguir bolsa na faculdade, fiz uma assinatura de um ano da revista Gula. É a velha história, "me passa o número do seu cartão, só para a gente te dar um brinde" e quando você vê, está dividindo o prejuízo em doze parcelas. Toda vez que aquela revista chegava eu ficava puta por ter sido enganada e principalmente por estar de regime e não poder usufruir das receitas.

Só espero que O Blim não fique com o mesmo sentimento em relação ao teatro. Prometo que te dou convite para a próxima, tá?

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Rehab

É impressionante como acompanhar uma novela pode fazer com que você compreenda e participe de conversas para as quais nunca foi chamada antes.

Faz três anos que moro sozinha, dois deles sem televisão. Eu tinha uma antena que comprei na loja de construção aqui do bairro, cheguei a colocar bombril na ponta dela, mas a imagem nunca deixou de ser dupla. Então eu nunca mais tinha visto tv e vivia bem assim. Até o belo dia que liguei para resolver um problema na internet e a moça me convenceu de que eu estaria fazendo um excelente negócio se adquirisse o Combo Triplo.

No começo eles te dão todos os canais para você pegar gosto, depois vão tirando, aos poucos, um telecine aqui, uma gnt ali, e quando você vê, está apenas com o Animal Planet e a Universal pegando, já que o meu Combo é dos mais vagabundos. Isso quer dizer que posso escolher entre o Law and Order ou os programas de redecoração de casas de casais em crise.

Eu acabei descobrindo o poder analgésico, desinflamatório e aparentemente adstringente das novelas. Sim, eu deito no sofá, fecho as cortinas, ligo a TV e me torno, durante algumas horas uma espécie de ameba, esponja marítima, uma cadeia de aminoácidos primitivos. O mundo vai se distanciando, o corpo amolecendo e aquela voz padrão dos atores e locutores da Rede Globo vai agindo como uma espécie de mantra no meu cérebro.

No começo tudo bem, eu pensei, porque se existe no mundo alguma coisa que faça desacelerar o meu pensamento por alguns instantes e não cause danos irreversíveis nos meus neurônios, por que não fazer uso dela? Acontece que com essa desculpa, "Preciso descansar a cabeça", eu me viciei. Quando vi, estava assistindo o fim da novela das seis, o meio da das sete e a das oito inteirinha, inclusive comerciais. Claro, não é toda vez que estou em casa dando sopa nesse horário, porque afinal, apesar do meu novo vício, continuo sendo uma moça muito trabalhadora.

Mas eu não tenho certeza se quero realmente entender e fazer parte do diálogo da maioria. É que quando você acompanha uma novela, percebe que aqueles nomes que as pessoas viviam falando no elevador, na aula de ginástica, no balcão da padaria, nomes como Helena, Marcos, Luciana, Tereza, não se referiam a parentes ou amigos das pessoas que os pronunciavam, você descobre, que aqueles nomes todos sempre foram nomes dos personagens das novelas que você nunca assistiu. Só que agora você assiste, e pior, você agora não só entende o que as pessoas estão falando, como também opina, defende um, xinga outro e descobre que na verdade, o público não quer ser surpreendido, já que as revistas especializadas contam quase a novela toda antes dela começar. O público quer virar uma ameba depois do trabalho e ter assunto para o dia seguinte, basicamente isso. Não pega bem , eu sei, tornar pública a condição na qual me encontro, é horrível mesmo, fico olhando para os meus livros e pedindo que eles me resgatem dessa areia movediça que é a tele-dramaturgia. Espero ansiosa que eles me lancem um pedaço de cabide ou corda na qual eu possa me segurar, e assim que isso acontecer, juro, caio fora dessa lama e volto a não ter assunto com as ascensoristas.



(Eu e meus livros, agora empoeirados.)

sábado, 14 de novembro de 2009

a vista daqui, que a gente tem de lá

Perto do fim do ano parece que uma ressaca emenda na outra. Ressaca do álcool, do apagão, do calor, das notícias. Por isso decidi viajar e fugir das dezenas de festas que insistem em acontecer sempre que eu resolvo sair da cidade. Eu vou mesmo assim, acumular uns créditos para as futuras ressacas, (que ando em débito comigo mesma) e ver se a distância, São Paulo parece menos espinhosa.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

É uma locução, mas parece um poema e

fazia tempo que eu não via um tão bonito. Deus, tudo bem, se eu não puder fazer todas coisas que faço tão bem quanto o jogador, que eu pelo menos faça com a emoção deste locutor.

relato radiofônico de Victor Hugo Morales, copa do México de 86

Lá vai passar para Diego
aí a tem Maradona
dois o marcam
pisa na bola Maradona
arranca pela direita o gênio do futebol mundial
e deixa os adversários para trás
e vai passar para Burruchaga
sempre Maradona
gênio gênio gênio
ta ta ta ta
gooool goool
quero chorar
Deus santo viva o futebol
golaaaço
diegoool
Maradona é para chorar perdoem-me
Maradona, em uma corrida memorável
na jogada de todos os tempos
barrilete cósmico
de qual planeta vem?
para deixar no caminho tanto inglês
para que o país seja um punho apertado
gritando por Argentina
Argentina 2 Inglaterra 0
diegol diegol
Diego Armando Maradona
obrigada Deus pelo futebol, por Maradona
por estas lágrimas
por este Argentina 2 Inglaterra 0

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

se você me ama, por que não se concentra?


foto de Carlos Bozelli

Não, não é um recado. É que hoje fui ver "Pixo" do João Wainer e Roberto P. Oliveira e lembrei desse muro que pixei com o poema da Ana Cristina Cesar. Ideia da Fernanda, que gritava em plenos pulmões "Corta! porque junto na interrogação, erro crasso da língua portuguesa, Martha!". E lá ia eu com a lata de tinta branca, repintar o muro pela terceira vez. Eu sabia disso, sabia o poema de cor, das regras gramaticais, mas na hora saía errado. O sol rebatendo no branco do muro, o nervoso, a válvula emperrada do spray, o take único. Nunca diga para um ator que o take é único, melhor falar que é ensaio que ele vai acertar. Nesse dia descobri que é muito difícil pixar um muro, pixar com categoria. Hoje, assistindo o filme, descobri outras coisas. Vale a pena ver, é um puta filme triste, bonito, vivo, você certamente nunca mais vai olhar uma pixação com os mesmos olhos. Anarquia era só uma palavra a léguas de distância e eu lembrei porque só consegui pixar direito aquele poema na hora em que a Fernanda disse "Abre o quadro Edinho, a gente tá prendendo ela..."