As pessoas vêm para São Fransisco Xavier descansar e eu para sair das pequenas encrencas nas quais me meto. No primeiro dia fui ao hospital da cidade para saber se a topada que dei no pé era uma contusão, fratura ou luxação. Era contusão. No segundo dia fui novamente à cidade atrás de um borracheiro para o pneu furado. No terceiro e presente dia, tenho de correr atrás do meu celular que, ou bem ficou esquecido na lojinha de verduras ou se perdeu na ribanceira da casa de um amigo, mesmo lugar onde deixei cair uma garrafa de vinho tinto retinto no tapete novo de algodão branco da sala. Problemas de caráter ameno, doméstico, mas que acabam atormentando meus dias de descanso.
Um grande feito da viagem é a vinda de Romit, meu gato. Como já mencionei anteriormente, Romit é um gato peculiar que ganhei de um cigano lá de Santo André, tem asma, uma orelha quebrada e mia como uma coruja quando cisma de. A questão é que eu não agüento mais sair de São Paulo e deixá-lo trancado no apartamento, sozinho, dependendo das visitas do zelador para se comunicar com o mundo. Toda vez que volto são necessários mais ou menos quinze dias para que ele se recupere da minha ausência. É possível que você esteja pensando “Puta gato chato, se livra logo dele.” Sim, ele de fato é um tanto quanto chato, mas é meu, e não é justo pegar um bicho para criar e fazê-lo infeliz, ou qualquer que seja o adjetivo para denominar um animal judiado. Por isso decidi trazer o Romit para São Fransisco Xavier, e contrariando as expectativas dos especialistas de que ele se meteria embaixo da cama e não sairia mais, ou sairia correndo atrás de um passarinho e se perderia na mata, meu gato está feliz como nunca. Passa o dia estendido no terraço, corre atrás de insetos, volta para fazer suas refeições e dormir no tapete. A asma quase desapareceu e ele parou de miar. Já se vão mais de três anos e só agora descubro que o bicho que mora comigo não é um gato de apartamento como eu pensava, e sim um bom selvagem, adepto a vida do campo e suas vicissitudes.
Romit certamente tem se adaptado melhor do que eu ao ambiente rural, mas não perco a esperança de ainda ter um dia inteiro para mim, na rede, sem ter que resolver nada além da escolha do sabor do bolo que vou assar depois do almoço, se vai ter carne ou peixe no jantar ou se tomo banho de ducha ou rio.
Eu iria ao cinema se estivesse em São Paulo, a um mercado turco se estivesse em Istambul, a nenhum lugar se fizesse o frio de Moscou ou a ponte Pênsil se morasse em Piracicaba. Daqui onde me encontro vou ajeitar oferendas para Iemanjá, tentar terminar o livro que comecei seis meses atrás e esperar o novo ano, que além de ser só mais um, vai ser um grande ano para todos nós.
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Feliz Natal
Em cima do piano tem um grande presépio que minha avó monta todo ano. Do lado um estojo com pedaçinhos de palha. Quando eu era bem pequena esmigalhava meu pensamento para encontrar alguma boa ação para fazer e poder colocar uma palhinha na cama do menino Jesus. Essa era a condição, fazer uma boa ação e ter direito a colaborar com o colchão do aniversariante. As opções eram poucas: ser obediente, ajudar a lavar a louça no domingo, deixar alguma prima dormir com minha boneca predileta. Essas coisas. Outra dia fui na casa da minha avó e botei uma palhinha no presépio. Não fiz nenhuma boa ação, porque pensando bem, viver dignamente já é uma bela de uma boa ação.
Não foi um ano fácil, nem glorioso, mas foi um ano maduro. Tenho a sensação de ter plantado mais do que colhido, mas os poucos frutos que deram, tiveram um sabor diferente, um gosto espesso, cores saturadas. As coisas não param de acontecer, as boas e as ruins. Essa foi uma descoberta de 2009, coisas boas e ruins podem acontecer ao mesmo tempo e na mesma intensidade. O natal já significou muitas coisas para mim, uma sacola de presentes, comidas que não acabam mais, ensaios para as montagens dos autos-natalinos ao lado dos meus primos Pedro e Nando, porres de vinho tinto, baladas depois da missa do galo, enfim, é uma pilha de coisa que venho sentindo ao longo dos anos.
Hoje o que eu mais gosto é quando passo o olho na minha agenda e começo a ligar para as pessoas que fazem meu coração esquentar quando penso nelas, e como se o mundo fosse acabar amanhã, tenho vontade de falar com todas. Também adoro quando aqueles amigos que eu vejo pouco durante o ano me telefonam saudosos, emocionados. E nunca deixo de olhar para a cara da minha avó Flora quando começam a cantar Noite Feliz, porque é como se ela estivesse cantando parabéns para o próprio filho.
Hoje trombei com um cara no trânsito e vi que ele queria me xingar por causa de alguma barberagem que fiz, vi ele segurando um palavrão na ponta da língua. Deve ter pensado “Porra, hoje é natal e eu não posso xingar essa filha da puta.” Eu vi todo o pensamento acontecer dentro dele, foi engraçado. Eu sei que tudo isso faz parte de um espírito natalino arranjado de última hora, de uma catarse coletiva incentivada pelo consumo, de valores que deveriam perdurar durante o ano todo e não perduram etc e tal. Mas eu gosto mesmo assim, da noite de natal.
Logo mais vou visitar o Marião no hospital, depois minha avó Dorina, que também está internada. E depois meu avô Alex, que não consegue visitar minha avó no Oswaldo Cruz porque tem medo que os médicos resolvam internar ele também. E aí corro para a ceia da minha outra avó, louca para ver minha sobrinha, Micaella, a coisa mais tenra e linda deste mundo. Essas coisas ocupam um lugar gigante na minha memória, cada cara esquisita que ela faz. Os que vêm depois de nós, são sempre uma versão melhorada. Hoje tive certeza disso, vendo minha irmã caçula tocar uma valsa húngara no Piano depois de quatro meses de aula.
Para todos aqueles que têm vindo a este modesto, porém honesto e acolhedor como uma manjedoura, espaço virtual, o meu caloroso Feliz Natal, seja lá o que ele signifique para você.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
decupagem
Acordo.
Penso em sair da cama.
Desisto.
Lembro da aula. O trânsito até o Itaim.
Desisto.
Durmo mais um pouco.
Sonho com uma piscina rasa.
Policiais.
E lobos.
Desta vez levanto.
Tomo café preto com adoçante.
Lembro das reportagens sobre aspartame.
Estico os lençóis.
Sinto cheiro de alecrim.
Ácido láctico.
E o forno a lenha na pizzaria da frente.
Ligo o computador.
Tomo banho.
Sinto fome.
Ligo no banco.
Desisto.
Ligo de novo. Pago o aluguel.
Pergunto sobre o sorteio de vinte mil.
Não ganhei.
Lembro da peça para produzir. Almoço.
Compro um biquíni de bolinhas brancas.
Converso com a atendente sobre estampas.
Lembro do delegado.
Ligo para o delegado.
Respondo telefonemas. Pego trânsito. Tenho muito sono.
Arrasto até a lavanderia.
Volto para casa. Tento dormir. O telefone toca.
Desisto.
Decoro um pedaço do texto.
O sono não passa.
Lavo o rosto.
Penso na peça para produzir. No pêlo do gato que cai no tapete.
Empilho jornais.
Penteio o gato.
Começo a ler as notícias de anteontem.
Largo as notícias.
Olho no espelho.
Separo as contas de luz das de gás. Fico feliz.
Sonho com um lugar morno, macio, fresco nas extremidades.
Uma duna.
A polícia chega para me buscar.
Imagino a vizinha na janela. Eu na viatura.
Chego na delegacia. Olho fotos. Suspeitos.
Sitiada de dúvidas.
Canso.
Trânsito.
Tenho fome de novo.
Sempre tenho fome de novo.
Como. Bebo. Como. Paro.
Coloco os cotovelos na mesa.
As mãos na testa.
Os dedos nos olhos.
Fecho.
Abro os olhos.
Falo alguma coisa.
Sobre a mesma coisa.
Desisto.
Vejo uma estrada no final da rua.
Corro.
Entro no carro.
Tiro os sapatos. Dirijo com as solas no pedal. Beijo ele.
Olho insetos na luz do poste antes do dia clarear.
Penso em sair da cama.
Desisto.
Lembro da aula. O trânsito até o Itaim.
Desisto.
Durmo mais um pouco.
Sonho com uma piscina rasa.
Policiais.
E lobos.
Desta vez levanto.
Tomo café preto com adoçante.
Lembro das reportagens sobre aspartame.
Estico os lençóis.
Sinto cheiro de alecrim.
Ácido láctico.
E o forno a lenha na pizzaria da frente.
Ligo o computador.
Tomo banho.
Sinto fome.
Ligo no banco.
Desisto.
Ligo de novo. Pago o aluguel.
Pergunto sobre o sorteio de vinte mil.
Não ganhei.
Lembro da peça para produzir. Almoço.
Compro um biquíni de bolinhas brancas.
Converso com a atendente sobre estampas.
Lembro do delegado.
Ligo para o delegado.
Respondo telefonemas. Pego trânsito. Tenho muito sono.
Arrasto até a lavanderia.
Volto para casa. Tento dormir. O telefone toca.
Desisto.
Decoro um pedaço do texto.
O sono não passa.
Lavo o rosto.
Penso na peça para produzir. No pêlo do gato que cai no tapete.
Empilho jornais.
Penteio o gato.
Começo a ler as notícias de anteontem.
Largo as notícias.
Olho no espelho.
Separo as contas de luz das de gás. Fico feliz.
Sonho com um lugar morno, macio, fresco nas extremidades.
Uma duna.
A polícia chega para me buscar.
Imagino a vizinha na janela. Eu na viatura.
Chego na delegacia. Olho fotos. Suspeitos.
Sitiada de dúvidas.
Canso.
Trânsito.
Tenho fome de novo.
Sempre tenho fome de novo.
Como. Bebo. Como. Paro.
Coloco os cotovelos na mesa.
As mãos na testa.
Os dedos nos olhos.
Fecho.
Abro os olhos.
Falo alguma coisa.
Sobre a mesma coisa.
Desisto.
Vejo uma estrada no final da rua.
Corro.
Entro no carro.
Tiro os sapatos. Dirijo com as solas no pedal. Beijo ele.
Olho insetos na luz do poste antes do dia clarear.
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
HOJE
Ontem fui passar o batom e me dei conta de que há uma semana não me maquiava. A última vez que isso aconteceu foi quando passei uma semana no hospital por conta de uma apendicite. Eu sei que desde o sábado passado, às 5:30 da manhã, o mundo tem rodado de um jeito esquisito para muita gente. Mas agora, com nosso querido amigo sentado, desentubado, mau humorado e com sede, nós podemos tentar voltar a normalidade. Tudo está caminhando bem é importante a ajuda de todos:
Estamos organizando uma Expo-Leilão na sexta feira com verba revertida para custos do tratamento do Mário.
E faremos a última apresentação do ano de "Brutal" a meia noite, com verba também destinada ao tratamento do nosso querido.
Quem quiser ajudar diretamente, segue dados bancários da família para contribuições: Cristiane do Carmo Viana Banco Unibanco Agência: 0935 Conta Poupança: 127721-6. CPF da Cris é 004.957.939-81. A direção de Santa Casa também está necessitando de doadores de sangue que devem se dirigir à própria entidade situada à rua Cesário Motta Jr, 112- Vila Buarque. Por favor, ajudem a divulgar esse ato. Neste momento, qualquer ajuda é preciosa.
APAREÇAM!
Estamos organizando uma Expo-Leilão na sexta feira com verba revertida para custos do tratamento do Mário.
E faremos a última apresentação do ano de "Brutal" a meia noite, com verba também destinada ao tratamento do nosso querido.
Quem quiser ajudar diretamente, segue dados bancários da família para contribuições: Cristiane do Carmo Viana Banco Unibanco Agência: 0935 Conta Poupança: 127721-6. CPF da Cris é 004.957.939-81. A direção de Santa Casa também está necessitando de doadores de sangue que devem se dirigir à própria entidade situada à rua Cesário Motta Jr, 112- Vila Buarque. Por favor, ajudem a divulgar esse ato. Neste momento, qualquer ajuda é preciosa.
APAREÇAM!
domingo, 6 de dezembro de 2009
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Caro tataravô Maximilian,
É uma pena não termos nos conhecido, mas onde quer que você esteja, ou não, já deve ter percebido que minha constituição portuguesa não deixou nenhum espaço para que qualquer resquício da minha ascendência alemã pudesse se manifestar.
Ontem fui a praça da Sé e como sempre parei para admirar a Catedral que o senhor projetou. Confesso que me sinto um tanto importante quando passeio pelas ruas do centro e penso que sou tataraneta do homem que construiu a Catedral da cidade. Tive até vontade de contar para uma das moças que me atendeu no PoupaTempo, mas acho que ela ficaria mais animada se eu dissesse que era prima da prima da irmã, da última vencedora do Big Brother Brasil. O senhor nem imagina o que é um reality show, e é bom que nem imagine mesmo.
Outro dia li uns artigos sobre sua obra arquitetônica, que foi bastante criticada por ser uma mistura de muitos estilos e não ter estilo nenhum; acho que era isso que dizia o crítico. Já eu vovô, adoro ver aquela cúpula verde dos vários pontos de São Paulo e sei de muita gente que gosta também. Te juro, Max, gostaria de colocar o sujeito que inventou o nome PoupaTempo, para passar o dia olhando um painel de senhas como eu passei. Aí sim, eu queria ver se ele não se sentiria ridículo por ter escolhido um nome tão infame e enganoso. Sete horas de fila para renovar uma habilitação, acredita? E eu sem nenhum livro, jornal, ou terço para rezar. Falando em terço, bom, o senhor já deve saber que minha tia avó, sua neta Alba, morreu sábado passado. Ela sempre me mandou cartas do convento onde morava, as quais eu respondia com imensa alegria no coração. Já foi em algum enterro de freira Max? É leve, bonito, para elas, que rezam a vida toda para encontrar Deus, a morte é um momento sublime. Foi o que me pareceu, quando as outras freiras colocaram nela o manto branco de festa. Pois é, as pessoas se vão para algum lugar neutro, pior ou melhor do que aqui, e nós ficamos com a árdua tarefa de pensar sobre nossa finitude.
Sabe que ela morreu num sábado e vovó me disse com grande entusiasmo que Tia Alba tinha usado um escapulário a vida toda e que Nossa Senhora do Carmo prometeu que quem o usasse e morresse em estado de graça, ela viria buscar no primeiro sábado depois da morte. Minha avó, irmã de Tia Alba, estava feliz porque já que ela tinha morrido num sábado, nem precisaria esperar muito. Ela estava triste também, o que me deixou de coração partido. As pessoas que foram no enterro, lá no Carmelo de Cotia, consideravam Tia Alba uma espécie de santa e vinham de todos os lugares passar objetos em seu corpo, tirar fotos e deixar mensagens em seu caixão. Me senti numa pequena procissão em terra santa. Eu mesma, fui até o corpo e coloquei minha mão em cima da dela. Não sei se foi a ocasião, o calor, ou o quê, mas senti uma tontura e formigamento dos pés a cabeça. Uma sensação forte, sem nome. Talvez ela seja mesmo uma santa.
Saudades.
No mais a vida, que vive entrando e saindo dos eixos. Caro Max, talvez não exista nada além do pó, ou talvez o senhor seja um arquiteto de nuvens, nomeado por Deus e tenha os tetos de suas obras celestes pintados por Michelângelo. Ou então, o senhor é uma dessas almas que pairam sobre a órbita terrestre rindo de uns e ajudando outros. Caso seja este o caso, dê uma força aqui para sua tataraneta, porque este final de ano, vou te contar, está bravo. Talvez você me diga o mesmo que vive me dizendo meu pai, toda vez que reclamo da grana. "É filha, eu te falei que você estava escolhendo uma profissão difícil." A questão Maximilian, é que eu não escolhi esta profissão, foi ela que me escolheu. Eu sei, pode parecer uma resposta excessivamente poética e clichê, mas é a pura verdade. Por isso me ajude a encontrar algum trabalho, além dos meus milhares de projetos pessoais ainda não remunerados. Algo para cobrir o final de 2009 e começo de 2010, seja atuando, escrevendo ou pintando rodapés. Isso se o senhor estiver sem muito o que fazer por aí. De qualquer forma é estranho estar no mundo e é bom ter tido a ideia de escrever para o senhor.
Te mando um grande beijo,
da sua quarta geração,
de sangue e aspirações,
Martha
É uma pena não termos nos conhecido, mas onde quer que você esteja, ou não, já deve ter percebido que minha constituição portuguesa não deixou nenhum espaço para que qualquer resquício da minha ascendência alemã pudesse se manifestar.
Ontem fui a praça da Sé e como sempre parei para admirar a Catedral que o senhor projetou. Confesso que me sinto um tanto importante quando passeio pelas ruas do centro e penso que sou tataraneta do homem que construiu a Catedral da cidade. Tive até vontade de contar para uma das moças que me atendeu no PoupaTempo, mas acho que ela ficaria mais animada se eu dissesse que era prima da prima da irmã, da última vencedora do Big Brother Brasil. O senhor nem imagina o que é um reality show, e é bom que nem imagine mesmo.
Outro dia li uns artigos sobre sua obra arquitetônica, que foi bastante criticada por ser uma mistura de muitos estilos e não ter estilo nenhum; acho que era isso que dizia o crítico. Já eu vovô, adoro ver aquela cúpula verde dos vários pontos de São Paulo e sei de muita gente que gosta também. Te juro, Max, gostaria de colocar o sujeito que inventou o nome PoupaTempo, para passar o dia olhando um painel de senhas como eu passei. Aí sim, eu queria ver se ele não se sentiria ridículo por ter escolhido um nome tão infame e enganoso. Sete horas de fila para renovar uma habilitação, acredita? E eu sem nenhum livro, jornal, ou terço para rezar. Falando em terço, bom, o senhor já deve saber que minha tia avó, sua neta Alba, morreu sábado passado. Ela sempre me mandou cartas do convento onde morava, as quais eu respondia com imensa alegria no coração. Já foi em algum enterro de freira Max? É leve, bonito, para elas, que rezam a vida toda para encontrar Deus, a morte é um momento sublime. Foi o que me pareceu, quando as outras freiras colocaram nela o manto branco de festa. Pois é, as pessoas se vão para algum lugar neutro, pior ou melhor do que aqui, e nós ficamos com a árdua tarefa de pensar sobre nossa finitude.
Sabe que ela morreu num sábado e vovó me disse com grande entusiasmo que Tia Alba tinha usado um escapulário a vida toda e que Nossa Senhora do Carmo prometeu que quem o usasse e morresse em estado de graça, ela viria buscar no primeiro sábado depois da morte. Minha avó, irmã de Tia Alba, estava feliz porque já que ela tinha morrido num sábado, nem precisaria esperar muito. Ela estava triste também, o que me deixou de coração partido. As pessoas que foram no enterro, lá no Carmelo de Cotia, consideravam Tia Alba uma espécie de santa e vinham de todos os lugares passar objetos em seu corpo, tirar fotos e deixar mensagens em seu caixão. Me senti numa pequena procissão em terra santa. Eu mesma, fui até o corpo e coloquei minha mão em cima da dela. Não sei se foi a ocasião, o calor, ou o quê, mas senti uma tontura e formigamento dos pés a cabeça. Uma sensação forte, sem nome. Talvez ela seja mesmo uma santa.
Saudades.
No mais a vida, que vive entrando e saindo dos eixos. Caro Max, talvez não exista nada além do pó, ou talvez o senhor seja um arquiteto de nuvens, nomeado por Deus e tenha os tetos de suas obras celestes pintados por Michelângelo. Ou então, o senhor é uma dessas almas que pairam sobre a órbita terrestre rindo de uns e ajudando outros. Caso seja este o caso, dê uma força aqui para sua tataraneta, porque este final de ano, vou te contar, está bravo. Talvez você me diga o mesmo que vive me dizendo meu pai, toda vez que reclamo da grana. "É filha, eu te falei que você estava escolhendo uma profissão difícil." A questão Maximilian, é que eu não escolhi esta profissão, foi ela que me escolheu. Eu sei, pode parecer uma resposta excessivamente poética e clichê, mas é a pura verdade. Por isso me ajude a encontrar algum trabalho, além dos meus milhares de projetos pessoais ainda não remunerados. Algo para cobrir o final de 2009 e começo de 2010, seja atuando, escrevendo ou pintando rodapés. Isso se o senhor estiver sem muito o que fazer por aí. De qualquer forma é estranho estar no mundo e é bom ter tido a ideia de escrever para o senhor.
Te mando um grande beijo,
da sua quarta geração,
de sangue e aspirações,
Martha
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