segunda-feira, 1 de abril de 2013

meu avô Alex

Meu avô morreu na quinta-feira santa. Ele já estava há algumas semanas na UTI, por isso sua morte era anunciada e até querida. Ainda assim foi duro perdê-lo para a eternidade. Perder um avô é perder uma pedaço da infância, de sonho, da leveza que existe e que a gravidade não consegue diminuir quando um avô e uma neta estão juntos.

Eu nunca consegui dizer o nome dele por inteiro, um nome inglês, difícil. Para mim era o vovô Alex.

Um homem colérico, entusiasmado e generoso. Sempre falei muito da minha avó, da sua coragem, força, mas quase nunca dele. Quando lembro do meu avô, penso em como ele era bricalhão,  na gula que ele tinha, nos molhos mirabolosos de salada que ele inventava, nas viagens que fazia, no gosto que tinha com os filmes, as peças que via. Mas penso sobretudo na audácia que ele teve quando casou com minha avó: uma mulher que além de cega, ele teve que dividir durante toda sua vida com a causa pela qual ela lutava. E o quanto ele a ajudou e a apoiou em sua missão.

Ponto para o meu avô, sei que não foi fácil.

Que homem corajoso e que sorte a minha de herdar dele esse Nowill difícil de pronunciar. Esse Nowill que se me faz ser tão impulsiva, colérica, mal educada às vezes e tão ansiosa, também me dá a coragem, a elegância, o talento para o fogão, o humor, a braveza, a esperteza e a pontualidade quase sempre britânica em minha vida.  Pensando bem acho que a pontualidade não é muito característica dos Nowill não, isso é meu mesmo.

O Nowill me coloca para frente, embora o nome sugira o contrário à primeira vista.

Quando Alex foi marcar o primeiro encontro com minha avó Dorina pelo telefone foi logo avisando: "Olha, eu sou feio, viu!", no que ela retrucou: "Tudo bem, eu sou cega mesmo." E assim começou a nossa familia.

Havia muito amigos e familiares no velório, mas o que mais se via eram os netos rodeando seu caixão. Não sei o que meus primos estavam sentindo além da tristeza e do vazio. Eu senti gratidão.
Gratidão e amor. E quando chegou a hora de levar seu corpo ao cemitério, acabei por acaso embicando meu carro atrás do carro do serviço funerário que era conduzido por um sujeito magricela, e que fumava um cigarro com gosto enquanto desfilava calmamente o corpo do meu avó pela cidade. Lembrei do poema do Bandeira:

momento num café

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto longo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava 


Não que alguém tivesse tirado o chapéu enquanto a gente ia da São Carlos do Pinhal até o cemitério da Consolação, mas eu fiquei honrada de ser o primeiro carro a seguir meu avô, me senti guardiã daquela travessia. E embora os pedestres não saudassem o esquife como sugere o poema, e um taxista insistisse em furar a nossa fila, o cortejo me pareceu digno de um lorde inglês.  Nosso lorde.

E aí parei para pensar no poema que eu costumava declamar entre os meus dezessete e vinte anos. Naquela época eu pensava, é, a vida é mesmo uma agitação feroz e sem finalidade, achava a frase bonita, sonora.

 Hoje minha vida continua feroz, agitada, mas eu descobri sua finalidade, e tenho certeza de que você cumpriu a sua vovô, por inteiro, por isso descanse em paz.  E todo meu amor para você.

                                                    com ele, preparando um molho de salada....