quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

to be, or not

Admiro as pessoas que tem facilidade para existir. Para ser, estar. Às vezes olho uma pessoa na rua e sei que ela existe. Olho para ela com o mesmo prazer que olho para o mar agitado, assisto um bom filme ou uma onça correndo em câmera lenta no discovery channel.

Achei engraçado quando aprendi no colégio que a conjugação do verbo to be, equivalia a ser, estar. Achava estranho duas palavras tão diferentes significarem a mesma coisa, pertencerem a mesma natureza. Hoje entendo a ligação entre esses dois verbos. E conheço a minha facilidade em ser e a minha dificuldade em estar. E assim sendo, percebo que a minha dificuldade em estar, prejudica minha facilidade de ser. E quase sinto que uma coisa anula a outra, não fosse enorme minha vontade de fazer coisas interessantes por aqui.

Mas sempre acho que faço pouco. Embora eu ache que é preciso fazer aos poucos para fazer bem. O que também não é uma verdade. Moro na cidade e amo a cidade. O pó do minhocão invade minha casa e veste minha coleção de bonecas russas diariamente. Detesto a cidade, mas amo os hamburgueres que que fazem por lá. E os artistas que rondam por ela.

Agora estou na praia, no meio da natureza selvagem e pavões que circulam pelo terreno. Sinto que nunca deveria ter estado longe daqui, onde as coisas mais elementares como água , terra e ar parecem as únicas necessárias. Bem, até a página dois. Onde está todo o resto? as benesses da civilização? As exposições, que mesmo que não as visitemos, sabemos que estão por lá. Os cinemas? Os amigos. Os bares.

Sou fanática por massagens, completamente devota. Mas a partir do momento em que entro em alguma sessão começo a rugir internamente: "Aposto que ela não vai massagear a última vértebra da cervical."

E quando as mãos do massagista alcançam tal objetivo, ralho internamente: "o nariz, o nariz ele vai esquecer..." e por aí vou, investindo meus tostões em sessões de relaxamento para sair mais ansiosa do que entrei.

Eu gostaria de ficar quieta por um instante, sem imaginar qualquer coisa ou ansiar por algo.

Sim, isso acontece, cada vez mais, e fico feliz por atingir esses pequenos nirvanas em vida. Mas ao mesmo tempo em que isso acontece com mais frequência, os momentos em que isso não acontece, são cada vez mais difíceis. Talvez por que eu já saiba da inutilidade de todo o resto, não ser ou não estar tornou-se para mim insuportável.

É como na arte,: estar em cena e internamente estar em outro lugar que não seja ali, faz de nós, atores, canastrões, falsos, autômatos. E assim é na vida. Odeio me sentir canastrona no dia a dia. Não gosto da sensação de perder o minuto, o instante.

Termino este estranho ano com dúvidas, incertezas, conflitos. Mas com a certeza de que tudo o que eu quero e o que me conforta, é ser e estar ao mesmo tempo. E já que estamos no parágrafo sobre as promessas para 2012, também quero abdicar de ter qualquer poder sobre as pessoas que amo. Elas que façam o que for melhor para elas. Por que raios afinal, eu quero que elas ajam de acordo com a minha vontade? Que tipo de imperador fui eu em outra encarnação para ter tanta vontade de reger a vida alheia?

Budismo demais para um texto só? Talvez, mas é uma proeza que pretendo dominar. Claro, alguma coisa tenho que dominar, e já que que sou uma moça grandinha o suficiente para saber que não devo fazer isso com os outros, que seja comigo mesma.

Sei que todo os resto virá. Ou por aqui está.

Um ano novo em folha para todos nós, com cheiro de estofado de couro de automóvel recém comprado. Ou de lavanda, bourbon, café. O que você preferir.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

nem tudo em mim se encaixa



Quando olhei para o lado estes dois faróis estavam me escancarando numa sorveteria na cidade de Santa Cruz. É uma cidade universitária, full of life. Como a luz começou a baixar muito mais rápido do que eu gostaria, tive que voltar para a estrada e chegar em São Francisco num horário razoável. E assim que enfiei meu carro nela, dei de cara com isso.



Quando mostrei o vídeo para o meu avô ele comentou que antigamente havia muito mais arco-íris e pedras de gelo em São Paulo. Eu acho que ele tem razão, chuvas de pedra e arco-íris fazem parte dos momentos mais fantasiosos da minha infância.

Voltando para as curvas da estrada, acho que deixei alguma coisa minha lá, um par de brincos, um pé de meia solteira e talvez algo maior. Como li num poema soviético outro dia, "nem tudo em mim se encaixa". Há lugares e coisas que você faz para aumentar a sensação de encaixe ou diminuir a de desencaixe na vida. Meditar, rezar, transar, comprar, comer, beber, atuar, atuar, atuar, ver alguém fazer algo brilhante na sua frente, cozinhar, ler um bom poema em voz alta, olhar sem pressa ou expectativa uma paisagem. Schopenhauer dizia que somente nos instantes de contemplação artística o nosso querer se aquieta, e eu digo mais, a estrada também tem esse poder. Talvez pelo movimento, ou pela sensação de que você acabou de deixar um lugar e está prestes a encontrar outro, e que este meio-do-caminho-lugar-nenhum é o verdadeiro destino. Eu gosto daí, por que aí, talvez seja unica e exclusivamente dentro de mim mesma. Lugar difícil de chegar, fácil de escapar. Você pode discordar, entendo, eu talvez também discorde, nos próximos cinco minutos. Mas, por hora, essa é minha melhor explicação.

E aí a estrada me levou a São Francisco, um país dentro de outro país. Um lugar a parte, muitas subidas e descidas, a arquitetura muito específica, nem européia nem americana. Linda cidade, e no alto do meu altíssimo sonho de consumo eu seria paga para morar dois meses lá, afim de ensaiar uma peça, escrever um roteiro.

As pessoas são felizes em São Francisco, talvez por isso, a música nos mande por flores no cabelo se formos para lá. É uma cidade musical, meio hippie, tem um cheiro bom no ar. É uma cidade gay, explicitamente, mas não se pensa nisso estando lá. Eu acho que muita gente vai para S.F para ser feliz, assumir uma sexualidade reprimida, e por isso, todos, (fora uma motorista de ônibus que quase me bateu por que eu não entendia o que ela queria me dizer), todos estão de bem com a vida. Eu mesma, há muito tempo não ouvia esta expressão, de bem com a vida. Parece que saiu de moda, mas não em São Francisco.

Tem a caretice dos E.U.A, você não pode dar um gole da sua cerveja se estiver com o pé para fora do deque do bar, mas ao mesmo tempo as pessoas fumam muita maconha na mesa ao lado. Há menos comida gordurosa do que em Los Angeles (graças a Deus), há muito a cultura do alimento orgânico e principalmente da boa educação. O trânsito, um capítulo a parte, como é uma cidade de terremotos, se for em subida, você tem que estacionar o carro com as rodas viradas para um determinado lado (para seu veículo não ir parar no meio da rua e atrapalhar o resgate e a ambulância caso o terremoto aconteça). Se for descida, as rodas tem que estar de outro jeito. Como também é uma cidade de ciclistas, toda vez que você for passar por uma ciclovia tem que virar a cabeça para trás e ver se não tem nenhum ciclista vindo, por causa do ponto cego do retrovisor. Meu amigo local conta que quando chegou não entendia tanta viração de cabeça dentro dos carros. E há a política do STOP, que ele me explicou umas dez vezes e eu NÃO entendi. É toda uma conjuntura, entre o pedestre (lá são reis), seu carro e o carro do outro lado e a placa de stop. Para mim, uma ave maria antes de sair, e tentar não cometer tantas gafes com os motoristas locais.

E foi em S.F que eu conheci as árvores mais lindas, esbeltas, antigas. As sequoias. Você atravessa a Golden Gate e chega nesse parque. Eu cheguei de noite quando o cheiro delas fica ainda mais forte e os turistas já guardaram suas máquinas fotográficas. São Francisco é tão bacana que até fiquei sem graça no começo. Me senti bicão em festa alheia. Até fazer um amigo, o Paulo, brasileiro que mora lá e me mostrou a cidade. Mas como toda boa festa, uma hora amanhece e você tem que começar a procurar uma carona para casa.

Voce nunca sabe como uma viagem vai ser, o que vai encontrar e como vai reagir. Eu nunca imaginei que fosse sentir saudade de uma sequoia.







quinta-feira, 3 de novembro de 2011

cadê meu cd do engenheiros?









Em cinco minutos a terra se movimenta de tal forma que o sol se atira no oceano antes que se possa terminar o cigarro. A estrada que vai de Los Angeles para São Francisco é tão linda que dá vontade de chorar. Highway 1. Então você estaciona o carro na tentativa de olhar a paisagem com mais calma e poder reter parte da beleza obcena de tudo aquilo. Mas não é suficiente, por que a beleza, como escreveu o poeta, "A beleza é um conceito/ E a beleza é triste/ Não é triste em si/ Mas pelo que há nela /De fragilidade e incerteza".

E na tentativa de guardar o incerto e inguardável, a beleza, você resolve tirar uma foto, que de forma alguma faz jus a realidade. O que se pode fazer então, a não ser tentar arrumar um bom lugar na cabeça para poder arquivar os eventos que deveriam ser inesquecíveis? Bom, esperar que outas preciosidades como essa se derretam diante dos nossos olhos outras vezes na vida.

Acelerar muito não pode, mas dá para ouvir música alta, que também dá um barato bom na coisa toda.

E como as rádios americanas começaram a falhar quando o caminho se estreitou no meio dos penhascos eu pensei: Onde esta meu cd do Engenheiros do Hawaii para poder ouvir Infinita Highway nessa hora? Não sei, nunca tive um, mas fiquei com vontade. Uma pena, o máximo que conseguimos foi uma coletânea do Cat Stevens que acabou combinando bastante como o trajeto. Poderia ser também um Robertão com As curvas da estrada de Santos, mas que infelizmente também não encontramos na lojinha.

Só tenho uma coisa a dizer ,hit the road Jack, pois a Infinita Highway não é infinita mas é bonita para caralho.






(eu, minha mãe e os leões marinhos)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

L.A WOMAN


É IMPOSSÍVEL andar por Los Angeles sem um óculos na cara. Tudo é muito claro, as ruas largas com longas e tortas palmeiras que cobrem os canteiros nas calçadas. A cada dez minutos você tem a impressão de estar num dos milhares de filmes americanos que você vem assistindo desde a mais tenra idade. In fact, é impressionante como toda essa cultura está impregnada em nossas memórias. Eu poderia ficar muito, bastante tempo por aqui. Mas, é o que todos dizem, sem um carro e um gps, nem venha para cá, pois para qualquer lugar que você queira ir, dá-lhe uma free way, uma high way, uma boulevard a milhas de distância. Mas guiar aqui é bom, as pessoas guiam bem, e eu devo ter levado no mínimo umas cinco broncas, das quais não entendi uma só palavra, sobre o meu modo brasileiro/paulista de guiar. Eu vi gente indignada comigo por conta de coisas que em São Paulo, ninguém sequer notaria. Reeducação sentimental no trânsito, é o que venho passando.



Outro problema que venho tendo é um lugar chamado Hugo´s, que fica a dez minutos do hotel onde estou hospedada. Um dinner, daqueles onde a moça fica repondo seu café cada vez que a xícara esvazia. O cardápio do Hugo´s é extenso, e não tem um item que eu não queira experimentar. Desde sucos malucos orgânicos, a eggs benedict, panquecas, frittatas, massas, iogurtes, tacos, etc etc etc E como tudo se faz de carro, onde gastar as calorias? Pois é.



Enquanto isso as pessoas malham em Venice Beach, uma mistura de praia, com vinte e cinco de março, galeria do rock, hospício, Arraial d´Ajuda, e algo mais que eu não sei nomear. Uma praia gigante, quadras de basquete, lojas e lojas de tatuagem, venda de maconha sob prescrição médica, junk food, lojas de souvenir, surf, out lets, freak shows, turistas,viciados em esculpir o corpo, uma gente maluca andando, uma fauna de gente com calções de banho esquisitos, patins, fantasias, sei lá, uma mistureba quase inenarrável. E o sol na cara. Dizem que de noite a barra pesa, não sei, não fui, mas acredito.



Aliás, a noite aqui acaba cedo. Não sei dos lugares onde não fui convidada a ir, mas nos bares, uma e meia acabou. Os drinks são geniais, bons mesmo, posso dizer isso com propriedade no assunto. Já os hamburgueres, quanta decepção, nossa carne é muito melhor. Aliás engraçado como São Paulo é uma cidade que se especializa tanto em fazer certas coisas que acaba fazendo melhor do que no país de origem. Assim como comemos pizza muito melhor na terrinha do que na Itália, o mesmo se aplica aos hamburgueres. E essa opinião é também de outros brasileiros que moram por aqui.


Já o chili, meu Deus, nada, nada se compara ao Chili americano.



Os dias voam para mim.






Santa Mônica, Silver Lake, Hollywood, calçada da fama, shoppings, O Getty Museum e é claro, o Halloween, que aqui é uma febre quase tão quente quanto o carnaval brasileiro. Dias antes, o povo começa a sair fantasiado, como se nada fosse. Até explodir num desfile/festa na Santa Mônica Boulevard, o maior Halloween do mundo, a menos de trinta metros do meu travesseiro. A princípio parece que a coisa vai pegar fogo, mas não sei se é por que não se pode andar com uma lata de cerveja na mão em público, ou o quê, mas a festa acaba sendo meio família. Minha mãe disse que lembra o carnaval de rua da época dela. Meio ingênuo talvez. Eu fiquei impressionada com as produções. Americano consegue fazer efeito especial até na hora de se fantasiar, uma verdadeira vitrine de esmero e dedicação em cada roupa. O equivalente ao preciosismo das produções de escolas de samba, só que em escala individual. Não durei mais que vinte minutos na festa, onde passei desapercebida pela multidão.


Fiz meus trinta e um anos com um pôr do sol no pier de Sta Mônica onde um grupo de cancioneiros mexicanos cantou parabéns a você para mim. E um jantar no Chateu Marmont, aquele onde a Sofia Coppola filmou seu último longa. Parece que o David Lynch come galinha lá, todo domingo a noite. Como só consegui mesa no bar e não no restaurante de fato, não posso confirmar o boato. Era domingo e eu comi a galinha especial do dia, e era boa, frita na manteiga, com um biscoito, purê, verduras. Um lugar lindo, onde comemos muito bem e tive que presenciar minha mãe roubando a margarita da mesa ao lado, deixada por dois marinhos à la Querele, que levantaram sem sorver um gole sequer do copo nublado de gelo e sal. Lua nova, um drink roubado, outros comprados, uma conta bem menos barra pesada que as facadas que tomamos nos restaurantes paulistanos. E a vida passando também. Como se nada fosse. Mas é.

O resto, como diz minha amiga Nina Crintz, não é perfumaria francesa, e sim farmácia americana.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Yes!

Garotos e garotas,

eu vou para a Califórnia! vou procurar alguma Martha na calçada da fama, jogar moedas nas fontes cafonas dos shoppings de L.A, comer os melhores e piores hambúrgueres da América, ir em todas as delhis judaícas e livrarias de teatro possíveis, distribuir meu vídeo book nos estudios da Universal (brincadeira, claro que não), trombar com a Pamela Anderson em Malibu e procurar pelo Neil Young em Santa Cruz.

Vou me fartar e cansar dos chichês da cultura americana. Pegar a estrada mais linda do mundo e cheia de radares de velocidade. Vou comprar aspirinas com alta relação de custo benefício e passar os próximos posts reclamando de como São Paulo é caro. Vou ver o que acontece comigo e com minha mãe sozinhas durante 15 dias juntas, já que a última vez que isso aconteceu foi quando eu estava na barriga dela.

Enfim, vou colocar todo esse ano, que não foi lá dos melhores, na boca de uma água viva em Monterrey e fazer 31 anos de vida nos Estados Unidos da América. In God I trust.

Escreverei de lá, um outubro rubro, picante e farto para todos nós.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

war

É claro que é melhor ganhar. Mas ganhar uma menção honrosa como esta, escrita pela Ivana Arruda Leite, é um presente. Explico. Participei de um concurso literário "só escritoras" pela Edith. O Marcelino Freire foi o primeiro cara, depois do meu professor de redação da quinta sérire, que me falou que eu escrevia bons poemas. Eu acreditei nele e continuei escrevendo. Eu acho lindo o talento que o Marcelino tem de se entusiasmar com o que os outros estão produzindo, tanto é que, além de um puta escritor, é também professor e um agitador cultural importantíssimo. E foi numa mesa de bar, da Mercearia, claro, que ele abriu o envelope de papel craft com todos os meus melhores e piores poemas dentro e comecou sua avaliação. "De jeito nenhum!" ele excomungava um ou outro poema riscando o papel de uma ponta a outra com sua bic, e quando tropeçava com um que ele gostava, "lindo", "bom!" e lá ia a bic desenhando um ponto de exclamacão nas folhas sulfites. De vez em quando colocava uma interrogação na frente de um verso, no fim de um poema e ia em frente. No fim de tudo, tudo muito rápido, depois partimos para a cerveja, ele disse: "Tem que publicar".

De lá para cá fiz novos poemas, neguei alguns antigos, comecei o blog, escrevi roteiros. Sempre tive medo de escrever muito e as pessoas acharem que eu não era mais atriz. Com a produção também, sempre com medo de produzir e achar que ninguém mais ia me convidar para atuar em mais nada por acharem que virei uma atriz independente e cheia de trabalho. O que de fato talvez esteja acontecendo (não a independência, e sim a falta de convite), mas enfim. Atriz é assim, se você elogia alguma coisa que ela fez que não se refira única exclusivamente a seu trabalho de atriz, ela logo desvia, "Não, mas eu sou atriz, só tô fazendo isso enquanto não aparece coisa melhor."

Atrizes são cheias de desejo, versões multifacetadas sobre muitas coisas ao mesmo tempo já, são chatas, generosas, competitivas, inseguras, cheias de si, profundas, loucas, prolixas, simples. Visionárias.

Mas eu falava dos poemas, que vêm e voltam nas entresafras da vida de intérprete, e por isso inscrevi meu livro no concurso, porque um livro de poema não publicado, é como cozinhar um negócio maravilhoso no fogão a lenha durante longo tempo e saber, de última hora, que ninguém vem para jantar. Aí você pega a travessa ainda esfumaçada e enfurna numa gaveta. E os poemas ficam lá entalados, esperando para sair. Mas junto com a menção honrosa veio o compromisso da Edith, do Marcelino, de publicar o livro no ano que vem. E assim a ceia permanece um pouco mais tempo engavetada, enquanto flano com os pés no chão.

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"Os poemas de Martha Nowill nos atravessam como "boiada em terra alheia" deixando a "estrada desassentada" e "poeira por todo lado". Não é todo dia que a gente encontra uma poeta com voz tão doce e vigorosa ao mesmo tempo. De uma doçura nada enjoativa. Seus poemas cortam sem machucar mesmo quando falam da solidão das madrugadas na metrópole, da fome do sexo não satisfeito, do desastre dos desencontros amorosos, da chatice do homem amado, do tédio. Suas imagens revelam a beleza e o mistério que se escondem sob o véu do cotidiano medíocre que nos sufoca."


Ivana Arruda Leite



(e enquanto não se ganha os concursos, os melhores assentos do avião ou coisa parecida, não é tão difícil assim conseguir uma garrafa de champanhe e conquistar a Ásia e a América do Sul num jogo de War. Satisfação instantânea e garantida.)

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

empréstimo

Às vezes é prudente saber,
que não importa o quão honestamente
tentamos expressar
alguma ideia latente,
alguém já conseguiu fazer isso
melhor que a gente.

O PAÍS DAS MARAVILHAS

Não se entra no país das maravilhas,
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro. Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisas entre coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaros entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.


Antonio Cicero

terça-feira, 23 de agosto de 2011

o corpo

Comprei uma fonte japonesa, daquelas com folhas artificiais e seixos, que de longe me lembram uma cachoeira. Há um estranho consolo entre eu e ela. Os dias tem sido bons, com pequenos vácuos e asperezas que não fogem do habitual. Eu voltei a usar um aparelho dentário móvel que deveria ter sido usado dez anos atrás. Mas há dez anos atrás, eu achei que assim, num passo de mágica, os dentes deixariam de fazer os movimentos errados que vinham fazendo! Dez anos depois os dentes estão lindos, na verdade, o que pega é a coluna. Você sabia que a falta de espaço na boca pode até te render algumas hérnias de disco? Incrível este equilibrista de pratos que é o corpo. Sempre tentando, de alguma forma esdrúxula nos salvar, compensando-se de um lado, retraindo para o outro, digerindo pedras, respirando fuligem, aguentando choques de temperatura, seguindo. Agradeço a ele todos os dias por ele ter aguentado firme até agora. E até comprei essa fonte pseudo japonesa, que embora comprometa a decoração da minha casa, faz companhia aos sessenta e sete por cento de água que o compõe. O corpo.

Abaixo meu único poema publicado, que saiu na ilustríssima da semana passada, e me deixou muito contente. Para quem não leu:



terça-feira, 19 de julho de 2011

hora mágica

O quarto estava coberto de neblina, ou talvez fosse a fumaça do vaporizador nos primórdios da manhã. O lençol era tão bem assentado que parecia ter acabado de passar pelas mãos de uma engomadeira da corte de Luíz xv. A luminosidade não era daqui, definitivamente. Você entrou, devagar como sempre, deixando a mala no chão e o ângulo de luz entrar pela porta. Fecha, eu disse. Você veio em direção à cama, apoiou os dois joelhos e trouxe o corpo em minha direção. Eu senti o cheiro de gasolina no seu cabelo e lembrei de como é cheia a rodoviária da cidade nas manhãs de um dia útil. Você me abraçou como se fosse se despedir, embora tivesse acabado de chegar. Você me abraçou como se nos resgatasse, eu e meu corpo em estado de hipotermia, de um afogamento. Você riu. Eu não pude ouvir o som de como você ria, mas senti os músculos da sua face se contrairem contra a minha. Eu ri também. Muito. E lembrei do colar de águas marinhas da minha mãe, das fotos de nuvens estranhas que aparecem na Nova Zelândia. Você disse que nunca tinha ido numa praia de pedras. Eu já, e ferviam. Pedras quentes ao sol, eu disse. Acordei e você não estava lá.

domingo, 26 de junho de 2011

não é uma poesia

de todas as coisas
que nunca tive certeza
mesmo na época que nos rodeamos delas
a única certeza que sempre tive
é que eu estava certa em não ter cursado medicina como meu pai
e quando tudo parecia errado demais
eu sempre podia tirar da manga meu pensamento calmante:
"bom, de qualquer forma medicina eu não poderia ter feito"
mas hoje
depois de anos pensando que eu não poderia ser outra coisa
senão atriz
ou qualquer outra ocupação nas imediações próximas a isso
com a noite que rasteja em direção ao domingo
à minha majestosa ressaca
hoje
a idéia de ir ao teatro
desbravando os corinthianos que vêm do metrô Marechal Deodoro
gastando saliva embaixo da minha janela
em direção ao estádio do Pacaembú
junto as bombinhas
a parada Gay de cinco milhões de pessoas
o chuvisco gelado
encurralada entre os acontecimentos da cidade mais cara do mundo
sem saber em qual caminho apostar
a ideia de levar meu corpo todo
voz memória presença
colocar tanto cabelo no coque
no centro do palco
em frente a uma platéia
provavelmente vazia
já que ninguém vai conseguir chegar à praça Roosevelt
com uma São Paulo interditada
ai
tudo isso me fez pensar
que se eu tivesse feito medicina
e passasse meus dias de branco
olhando os tons de pele da cara das pessoas
sentadas a minha frente
na cadeira do consultório
ouvindo seus corações
e pulsos
colocando exames contra luz
doenças contra o tempo
eu talvez passasse mais tempo com meu pai
e talvez hoje fosse meu dia de folga
e eu não teria que sair desse sofá
e com a energia suficiente para uma cruzada
ser atriz sempre
e mais uma vez
e um pouco melhor que ontem
mesmo que todo esse devaneio esmoreça
numa pequena vala que fica entre o sono da coxia
e a luz dos refletores


para quem tiver coragem
hoje
ou nos próximos dois finais de semana, não importa o que acontecer, eu darei um jeito de estar lá



sábado, 21 de maio de 2011

do vento gelado de Copenhagen à brisa do Minhocão












Eu cheguei no Brasil há poucos dias, mas o Brasil está chegando em mim agora a pouco, já que é domingo de sol e a melancolia pós viagem não pode demorar mais tempo que o tempo de desfazer as malas.

Quem me acompanhou nesta viagem foi o vento. Que em Moscou era um vento abrutalhado, vinha de frente, derrubando e depois cessava. Quando cheguei em Copenhagem, terra do lego, da Calsberg, do design, o vento era gelado. O vento gelado de Copenhagem me pegou de lado e gelou tudo que era possível entre corpo, alma e pensamento. Um lugar lindo, que quase me fez sair correndo quando pisei nele, de tão caro que é. Mas é lindo, com um trânsito de bicicleta que supera o dos automóveis, construções que refletem nos canais , como na foto que eu tinha visto e recortado do jornal semanas antes, prédios moderníssimos que se misturam às velhas construções de um jeito harmonioso como tudo lá. Com mulheres alinhadas e chiques e um bom gosto geral quase improvável, como se alguém fizesse uma direção de arte muito certinha na próxima locação do filme e o diretor reclamasse da falta de naturalidade do lugar. Talvez seja chato morar por lá, ou não, sei lá, não conheci o lado B de Copenhagen, por que o vento gelado me expulsou da rua antes que eu pudesse tentar descobrir o que acontece na calada da noite. O choque estético cultural entre Moscou e lá foi muito maior do que o tempo que tive para assimilá-lo, já que fiquei apenas quarenta e oito horas sozinha na cidade onde todos os cidadãos falam inglês perfeito e o sol é bem mais branco que amarelo.

E depois de Copenhagen veio Berlim, com sua primavera linda, linda, linda. Toda aquela cidade efervecendo, com bondes que circulam ao ar livre nas linhas do centro, centenas de galerias de arte a cada bairro, brechós que valem a visita, seres semi-nus nos parques, gente com garrafas de cerveja na mão nos finais de tarde, manisfestações, a acústica indescrítivel da Filarmônica e os iogurtes e salsichas mais saboros do planeta terra. O vento berlinense vinha por trás, no fim da tarde, resfriando as pernas embaixo da meia-calça.

Hoje quase não há vento por aqui, a não ser pelo esforço que meu corpo faz contra o ar na pista do minhocão, onde eu e outros habitantes da Sta Cecília costumamos andar, domingo sim, domingo não.

As fotos do Minhocão são do João, e as de Copenhagen nunca tirei. Pena.

terça-feira, 17 de maio de 2011

wild

Chego em Moscou exausta, depois de atravessar fuso- horários e muitas horas de viagem. O aeroporto cheio de homens de terno me mostrando os catálogos de seus táxis, bancos quebrados, seres desalojados e pessoas com buquês de flores esperando outras pessoas.

Bem Moscou.

Esperei até as três da manhã, tentando escapar dos motoristas de plantão, que insistiam em falar em russo comigo, até meu amigo Charly chegar.

É difícil escrever sobre a Rússia. Adoro Moscou, mas me irrito com a selvageria local. Um país inflamável. A qualquer momento as coisas podem se tornar estranhas, incômodas e incendiárias. Os russos têm uma violência inata, misturada a uma pureza fora do tom. Você pode, do nada, levar uma bronca de um local sem entender o por quê. Aliás, isso é bem comum, broncas na rua. Gentilezas também acontecem, inusitadamente.

O que eu mais gosto na Rússia, é o que os russos mais detestam. A mistura do velho com o novo. Num momento podemos estar num restaurante karaokê georgiano, tomando vodka em doses cavalares, acompanhada de conservas e brindes longuíssimos da velha geração. Entramos na terra e submergimos em profundas estações de metrô e na hora seguinte estamos numa boate lotada de jovens que pensam de forma absolutamente diversa.

Você pode argumentar que em qualquer lugar as coisas são assim. Mas na Rússia, por motivos que não sei explicar, isso é mais evidente. Uma distância abismal entre o velho e o novo. Um país antigo cedendo lugar ao futuro. Um futuro destrambelhado, como um ator que só maquia metade do rosto e entra em cena sem perceber. Assim a Rússia. Um lugar enorme, cheio de gente com roupas que você nunca imaginaria que alguém pudesse usar na rua, cheia de teatros, lugares vinte e quatro horas, avenidas larguíssimas. Você estende o braço e tanto um mercedes, quanto uma lata velha podem parar para negociar uma corrida. Decorei alguns números, trezentos, cem, quatrocentos, e com um mapa na mão pude negociar minhas caronas. A primavera coloca as pessoas na rua, os canteiros estão cheios de tulipas novinhas e cheiro de esterco de terra recém semeada.

O café é terrível, a lógica das coisas um enigma, mas um sorriso brasileiro pode resolver qualquer parada.

Encontramos muitos novos amigos e em todos os encontros o Charly nos anunciava da seguinte maneira “ Estamos aqui, do lado de um edifício estranhíssimo, perto da metrô, na saída do parque. Eu tô com uma casaco preto, sou alto, bonito, e tô com minha amiga Martha, um tipo bem brasileiro. E você, está vestido como?”

Imagino que todos esperavam uma mulata maravilhosa quando se depararam com o meu tipo brasileiro desbotado. De qualquer forma, é bom ser morena nos países onde prevalecem as loiras.

No mais, entre muito mais, andei a pé até esfolar todos os cantos do meu pé. E uma vontade de parar o tempo. Em todos os lugares do mundo, por cinco minutos, só para respirar e olhar. Todas as coisas, os detalhes. Antes que elas mudem de cara novamente.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

EFEITOS COLATERAIS DA VODKA

bem atrás das bobagens que estou proferindo, você pode ver de relance a praça vermelha. linda, kitch e majestosa.

terça-feira, 3 de maio de 2011

chá de neve



Eu não costumo contar meus sonhos, nem tenho muita paciência de ouvir o dos outros. Por isso fique a vontade de parar sua leitura por aqui, caso você não esteja muito interessado no sono do outro. Parece incrível para quem sonhou, mas, quando relatada, uma peripércia noturna pode soar como uma experiência de filme surrealista de qualidade duvidosa para quem ouve. Aqueles efeitos como “e aí, eu estava no convés do navio, que na verdade era um avião, junto com meu pai, que na verdade tinha o rosto do Clint Eastwood, você sabe, aquelas coisas de sonho...” são um tanto entediantes para o ouvido alheio. Desde criança pedia para Deus, à minha cabeça, meu inconsciente, para Morfeu, rei do sono, enfim, para quem se dispusesse, pedia para sonhar que estava voando. Anos pedindo e só fui sonhar que voava aos trinta. Foi um grande acontecimento para mim e eu fiz questão de não compartilhá-lo com uma só alma. Ninguém poderia entender o quão chocante foi o sonho.

Mas esses dias tive um sonho e fiquei com vontade de escrever sobre ele.

Estávamos numa montanha, eu o guru indiano. Era um pico nevado e o guru me ofereceu chá. Um chá de neve.
Eu duvidei do guru, como poderia um chá ser de neve? Mas era, e era nevado e escaldante ao mesmo tempo.
Então perguntei para o guru como aquele chá poderia ser frio e quente ao mesmo tempo. No que ele me respondeu:
"Assim como os seus pés, quando estão gelados, convivem com o seu coração, que é quente."


E de repente eu estava na rússia, recebendo uma proposta de trabalho estranha e um tanto indecente. Era para ser animadora e dançarina num programa de auditório russo. Um pouco fora da minha alçada mas com um cachê tentador. Oito mil euros por mês. Comecei a fazer as contas, os prós os contras, também pedi para ver o tamanho do shortinho que teria que usar . E paga as passagens de ida e volta para o Brasil, uma por mês?

Foi aí que acordei, pensando no câmbio do dia.

Neste exato momento, escrevo do aeroporto de Munique. Depois de ser torturada com perguntas pelo oficial do passaporte, impressionante como esses caras gostam de fazer a gente se sentir culpado de alguma coisa que não cometeu. Do me lado outros dois caras falam numa língua impossível de descobrir. Ainda tenho horas de viagem e conexões até a Rússia. Pernas inchadas e coragem! Mas a Rússia vale a viagem. E são bons os motivos que me levam até lá. E vai que...algum produtor local se apaixona pelas minhas pernas. Aí quem sabe...oito mil euros mensais... eu viro chacrete moscovita e poderei gritar aos quatro cantos que tive um sonho profético.

Não sei se encontrarei chá de neve por lá, mas vodka certamente. E vou contando por aqui.


A foto foi feita para o calendário em homenagem ao Mário Bortolotto que a Fabi Vajman e o Ogro inventaram e produziram. O calendário acabou não saindo em grande tiragem, então publico aqui, já que falamos de pernas e eu, de fato, ando precisando de trabalho. No calendário, fiquei com o mês de outubro. o rubro.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

os astros


É batata, percebo que estou meio sem ideia de rumo na vida quando começo a consultar o horóscopo. É assim, os dias vão ficando meio pastosos, eu pego uma gripe,o trabalho meio truncado, coisa assim, e dá-lhe horóscopo. Mas pode ter certeza, quando eu estou muito angustiada ou confusa, entediada, enfim, naqueles estados que tentamos evitar estar, mas que quanto mais evitamos mais eles se instalam como posseiros folgados nos nossos limites de terra, enfim, quando a coisa aperta, aí sim, eu leio TODOS os horóscopos. Do quiroga, da folha, do personare, do Bom dia Bauru, do Jornal de Araraquara, o que vier eu traço.

As frases costumam funcionar como pílulas de compreensão súbita, onde tudo faz sentido agora já, ou de "Ai meu deus, tá tudo errado, eu sabia, devia ter lido isso antes." Mas, ali no fundo, bem longe das frases cifradas e poéticas dos horóscopos diários, além da epiderme, da verve, ali quietinho, mora em mim um sujeito bem sábio, uma espécie de Mestre dos Magos, um velhinho de praça do interior, um pequeno buda paulistano, e esse sujeito sopra no meu ouvido diariamente, e ri da minha versåo desesperada. "Onde você vai?" ele pergunta, "Checar o horóscopo" respondo.

Mesmo sabendo que essa peregrinação toda não vai me levar a lugar algum que não seja a uma nova indagação. O que talvez já seja algo que o valha. Bom mesmo seria possuir um oráculo particular, ao estilo de tebas, claro, que não desse notícias trágicas, mas estivesse ali para o caso de dúvidas lancinantes e anseios futurísticos.

Geralmente os horóscopos não batem e até se contradizem. Alguns amigos jornalistas adoram dizer que não passam de um sorteio na redação, que aos moldes de um poema dadá, escreve a sorte do dia aleatoriamente. Eu sei que não é assim, acredito na astrologia bem estudada, bem feita. Mas nas já citadas fases de desespero, quando checo todos os horóscopos do país, nunca tinha encontrado semelhança entre eles.

Só hoje, que saiu assim:

Aqueles personagens de peso que até aqui só davam trabalho e complicavam tudo começam a tornar-se parceiros e colaboradores. Isso vai mudar substancialmente o panorama com que você deve lidar todos os dias.
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Entre os dias 20/04 (Hoje) e 14/05, o planeta Vênus estará passando pela Casa 11 do seu mapa de nascimento, Martha, favorecendo particularmente as suas relações de amizade e as suas convivências grupais. É uma fase de melhoria no que diz respeito ao entendimento entre as partes. Você terá uma importância maior entre seus amigos neste momento, terá mais requisições para aparecer, e sentirá que as pessoas lhe querem mais. É bastante provável, inclusive, que você se veja em situações em que precise tomar atitudes a fim de harmonizar e equilibrar dificuldades na vida de seus amigos.

Este é um bom momento para atividades culturais: teatro, cinema, e o melhor, tudo em grupo, com bons amigos. O perigo, para esta fase, é que muitas vezes o nível de afetividade entre amigos aumenta tanto que corre o risco de alguma relação do estilo platônico se instalar em sua vida, com você se interessando por uma pessoa que é apenas amiga, ou vice-versa. Convém saber separar as coisas e observar direito para avaliar direito o que tem e o que não tem a ver.

Neste momento, as amizades com mulheres estão mais favorecidas, Martha, assim como a amizade com pessoas ligadas ao meio artístico.
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Se até agora a delícia estava em agir por conta própria, no bloco do eu sozinho, agora você descobre, num estalo, o perfume dos bons relacionamentos. O sol entra em touro, de repente a cor bonita do mundo surge a partir de afetos e apoios leais de alguns seres.


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Não é preciso ser um gênio para notar as semelhanças, e nem de consultar os astros para querer ver os amigos, só uma pena essa profusão de odes a amizade acontecer as véperas do feriado quando todos estão fora. Eu fico por aqui, a comer poeira, ainda que um pouco confusa, feliz se puder cruzar as pessoas que gosto, enquanto espero essa quaresma acabar. E a páscoa chegar.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

ardências e invocacões

E foi assim que eu decidi fazer comida indiana. Do nada. Montamos um cardápio de um livro alemão de receitas. Sim, um cardápio indiano sendo traduzido do alemão para o português. Mais complicado impossível.

Feno grego? Cominho cruzado? Chili verde? Folhas de curry? Todos os tipos de massala, páprika e cúrcuma possíveis. Nunca tinha ouvido falar desses temperos, mas eles existem e, surpreendentemente, podem ser comprados aqui em São Paulo. Começamos os trabalhos às 11 da manhã: os temperos, ir atrás do gui, (que é uma manteiga a moda indiana com menos gordura), comprar flores, inventar uma sobremesa, colocar o chá para ferver horas antes, enfim.

A mesa de casa parecia uma banca do mercado, cheia de pimentas, peixes, legumes, especiarias, farinha, incensos e velas.
Por um instante cheguei até a ouvir o farfalhar das águas do Ganges atrás de mim. Claro, devia estar louca de tanto aspirar especiaria.

Tudo lindo mas deu um puta trabalho. Se o livro dizia, tempo de preparo 1h 40 min, a gente demorava 5 horas, se dizia 40 minutos, a gente levava uma hora e meia.

E o cardápio saiu dessa maneira:

Samosas de entrada (com massa caseira e tudo o mais).
Legumes ao forno no iogurte (que eu passei a receita toda pensando estar fazendo uma salada e no fim era um refogado; culpa das fotos enganosas de livros de receita).
Peixe no leite de côco ( que por conta da minha inabilidade com facas, se despedaçou tanto que virou uma moqueca, algo assim).
Arroz no limão com amendoim (que empapou, mas a culpa não foi minha, foi do João).

E de sobremesa, como não dava tempo de fazer o sorvete de pistache da receita eu comprei um sorvete kibon mesmo, de creme e esmigalhei umas sementes de cardamono em cima (para não sair do clima indiano) e servi com doce de abóbora e uma mistura de nozes e pistache no mel que minha mãe trouxe há um ano atrás da Turquia e eu nunca soube o que fazer com aquilo.

Preciso me gabar, por que apesar de todos os contratempos, cada prato preparado, ficou muito melhor do que imaginei.
Os convidados não entenderam muito bem, já que tinham sido convidados para um simples jantar e deram de cara com aquela sala com cara de templo indiano e a casa toda cheirando a ala de especiarias do mercado municipal. Eu até cogitei vestir um sari, mas achei over e que ia ficar com cara de jantar da novela das oito.

Tudo foi tão verossímel que os amigos pensaram que a qualquer momento um guru indiano ia adentrar a sala pra algum tipo de ritual. Alguém me perguntou de canto: "Escuta, você tá querendo engravidar? Isso é algum tipo de invocação à fertilidade?"."Não, respondi, é falta do que fazer mesmo."
Depois me arrependi da resposta, pois fiquei parecendo uma dona de casa entediada, inventando estripulias culinárias. O que não é verdade, vocês estão de prova, vivo correndo contra o tempo.

Além de tudo fiquei encucada, será que os deuses tão achando que de fato estou fazendo uma cerimônia da fertilidade? Olha, não é bem assim, só que daqui uns anos, ok?

Uma semana depois, admirada com a cesta cheia de temperos que a dispensa herdou do jantar temático, achei que deveria fazer uma pimenta em conserva, já que a pimenteira estava carregada de frutos maduros. Eu nem gosto de pimenta, na verdade, só acho lindo aqueles potes tranparentes, vermelhos, cheios de alho, azeite e pimenta boiando.

Pesquisei na internet, perguntei para o zelador, a faxineira, para deus e o mundo, como proceder com as pimentas. Mil dicas me deram, só que ninguém me disse para usar luvas. E assim, depois de horas cortando pimentas, raspando as sementes com a ponta dos dedos e etc, passei vinte e quatro horas com as mãos em fogo. Parece força de expressão? Exagero de uma atriz escorpiana dramática? Mas não é. Ardia tanto a ponto d'eu chegar no restaurante e estar tão desconcertada com a dor, que tive que pedir um copo de leite e enfiar minhas mãos dentro dele. As duas. Bem elegante.

quarta-feira, 23 de março de 2011

quilometragem

Eu vou mandar meu motor para a revisão por que a quilometragem anda altíssima por aqui. Primeiro estive em Berlim e entrei em todas as bibocas indianas, nepalenses, tibetanas, vietnamitas, tailandesas, asiáticas e de outras orientalidades que pude. É que lá esse tipo de imigração é forte e esses restaurantes acabam sendo lugares hiper acolhedores para o frio e o bolso. São os lugares da cidade onde a maioria dos garçons fala inglês e você não corre o risco de tomar uma sopa cheia de coentro sem saber. A qualquer momento da caminhada você pode entrar num desses buracos rústicos e quentinhos ou num bar que parece a sala da casa de alguém muito legal e tomar uma cerveja nacional por um preço justo. Sim, ao contrário de São Paulo, em Berlim os preços ainda são honestos. É possível, com algum conhecimento de causa, se sentar para almoçar sem muito luxo e desembolsar por volta de sete euros, o que por aqui mal dá para prato do quilo da esquina. Eu não gosto de quilo, você pesar a comida já é esquisito, mas você deixar de pegar um punhado de mandioquinha e apostar no broto de feijão por que vai acabar sendo mais leve e barato, é o fim da picada. E não importa o quanto você ponha no prato, sempre dá mais que quinze reais, junta o café, a bebida, o serviço que não houve, pois foi você mesmo que se serviu e um tablete de chiclete, e o almoço saiu por trinta reais e você comeu...mal. Por isso me esbaldei no frio berlinense onde não pesei nenhum prato de comida e comi muito bem.

Também andei muito, aquela sensação do ar gelado na bochecha, a vontade de chegar em lugares quentes quando se está na rua e a de ir pegar um vento frio quando se está a muito tempo na calefação é uma delícia. Mas os Berlinenses estavam absolutamente enfastiados com o inverno. Pude ver claramente o quão sem saco eles estavam com o frio interminável e não era raro andar pelas ruas e ver pessoas paradas por horas de olhos fechados em pedaços de calçada ensolarados. Assim como ficam sem saco para a temperatura também parecem sem paciência para se vestir e a impressão que se tem é que eles saíram da cama, colocaram galochas por cima da calça de moleton, um casaco qualquer e rua! Na frente da minha janela tinham duas moças que iam todo dia ao telhado do prédio em calcinhas e cobertores e tomavam sol na laje a módica temperatura de zero grau. E eu em São Paulo, quando bate um vento na minha janela já me dá vontade de abrir um vinho e fazer um fondue. É minha profunda carência de inverno.

Foi um semana de frio, berlinenses simpáticos e enfastiados, algumas aulas muito interessantes de interpretação onde me vi obrigada a me expressar em inglês com algum vocabulário e mínima dignidade, algumas noitadas e tudo passou muito rápido.

Nove dias depois embarco para São Paulo (sem comentários com a falta de humanidade que é viajar no puleiro, digo, na classe econômica) e desembarco na van que vai me levar para São Simão e Matão onde fomos apresentar "Rancor- farsa intelectual" pelo circuito cultural paulista. Gosto dessas viagens, daqueles pastos, vastos, as árvores salpicadas na paisagem, as ruazinhas vazias, coretos, terraços e o ar que cheira a torresmo, terra e pó. Fazer teatro no interior é nunca saber o que esperar. Você pode chegar na cidade e ter a surpresa de cair numa pousada com cara de casa de vó ou num lugar que mais parece uma solitária sem janela, com uma televisão no teto e luz fria por toda parte. O teatros também, podem ser auditórios inóspitos ou antigos e mágicos teatros municipais de uma cidade sedenta por qualquer tipo de expressão artística. Foram quatro cidades até agora e nós nos apresentamos em teatros bons,ruins, para públicos esquisitos, inteligentes e até para uma sessão cheia de crianças. Não havia público e a moça da secretaria mandou um ônibus da escola pública direto para o teatro. Milagrosamente aqueles estudantes ficaram relativamente quietos e, penso eu, sem entender nada. Mas tenho fé de que dali, algum pré-adolescente saiu curioso, com uma ideia fixa diferente do que a realidade a sua volta costuma proporcionar.

Muitos quilômetros depois, de espaço aéreo, de horas de van, de frio, calor, colchões finos, de assistir monólogos berlinenses, de chegar a fazer peça até num santuário deslumbrante franciscano em Agudos na noite de lua mais cheia do século, depois de ter que me jogar no chão da coxia cada vez que um morcego passava por cima da minha cabeça, de fazer e desfazer malas como quem troca de roupa, me encontro novamente na cadeira rotatória da minha escrivaninha que tem vista para o minhocão. Daqui ouço Lobão e escrevo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Diário de Berlim

Primeiros dias

Dois dias após uma ressaca monumental (daquelas que você talvez tome uma uma vez por semana mas eu só tomo uma vez por semestre) saio pela Amaral Gurgel atrás do meu novo passaporte. Não sei exatamente qual foi o milagre que fiz para conseguir tirá-lo em seis dias sem visita pré agendada, só sei que fiz. Faço minha última refeição no Brasil, dou uma última olhada no Facebook (quem diria que isso viria a ter tanta importância)e corro para Guarulhos antes da chuva. Uma hora e meia na fila da polícia federal (e nós ainda temos a copa pela frente) e uma chuva de explicações no raio-x por conta dos litros de homeopatia que carrego na mala de mão, embarco para Zurique.

Um bebê a bordo. Um bebê irritante e milhares de milhas de choro depois estou acima dos Alpes suíços. Em duas horas e meia chego a Berlim. Tinha esquecido como Berlim é silenciosa e como as árvores ficam secas no inverno a ponto de parecerem fazer parte de um pôster na minha parede adolescente.

Adoro o frio. Adoro as cozinhas daqui, o pão preto, as salsichas e as casas aquecidas. Um tanta melancólico, se você tiver ou estiver com essa tendência.

Tenho o tempo de um banho e uma sopa tailandesa até chegar ao meu primeiro dia de aula, uma classe as seis da tarde sobre a técnica de Meisner. Fico nervosa, não conheço ninguém, não conheço essa técnica. Todos parecem conhecer e sem que eu me dê conta, já estou em roda fazendo parte de uma aquecimento ridículo. Todos os aquecimentos são ridículos.

Depois veio a técnica. O primeiro exercício consiste em estar na frente de alguém, observar e ser observado por esse alguém até que qualquer coisa honesta venha a sua mente. Então você deve dizer, o que vê na pessoa em questão, ou o que ela provoca em você. E aí seu parceiro vai repetir o que você disse e você vai repetir o que ele disse até que a frase se transforme e você também. É difícil explicar, mas é interessante. De fato é um pouco isso o que consiste o trabalho do ator. Ouvir o outro, deixar que o outro te afete, afetar o outro, ser honesto em todas as suas ações, estar aberto. Mesmo que seja a septuagésima vez que você está repetindo aquilo. O que eu mais gostei foi perceber que qualquer pessoa, qualquer ser humano que pare na sua frente e você esteja condenado a observá-lo, qualquer, qualquer um tem algo notável. E você pode passar batido por uma multidão, mas pode colocar uma lente de aumento em alguém de vez em quando.

Eu me dei muito mal no primeiro exercício, o professor disse, entre outras coisas, que eu segurava a bola, que ninguém gostaria de jogar ping pong com alguém que segurasse a bola na mão toda toda vez, antes de jogar a bola de volta. Eu nunca tinha visto aquelas pessoas, alunos do mundo todo, mas morri de vergonha deles. Voltei para o meu lugar e duas horas depois resolvi tentar de novo. E decidi ser verdadeira, e dizer as coisas mais absurdas que eu pudesse pensar, sem pensar muito. E rebater, estar atenta. Despojada. Ali. Então alguma coisa aconteceu. E foi impressionante.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Então eu comprei a mesa de centro, e achei que tudo estaria resolvido. E pintei uma parede de azul, e a outra de rosa. Você é corajosa, me disseram. Muito bem. E aí derrubei uma parede, dois armários, peguei a madeira restante, fiz um closet e achei que tudo estaria resolvido. Coloquei todas as roupas dentro e pensei: agora sim. tudo resolvido. E trabalhei e trabalhei e trabalhei. E achei que tudo estava sendo resolvido, que havia graxa suficiente na engrenagem. Depois comprei um filtro de barro, e um tapete belga, acho, para o banheiro do meio. Alguns dias depois pintei a pia do banheiro do meio de vermelho sangue. E coloquei uma foto do meu bisavô em cima dela. E achei que o tapete belga combinava com a cara do bisavô. E que tudo seria resolvido. E trabalhei. Sem brecha. Por que de fato as coisas estavam sendo resolvidas, ininterruptamente. A vida. Passei a tomar um copo de suco de uva orgânico por dia. Inclusive em manhãs de ressaca. Coloquei uma esteira ergométrica alugada dentro de casa e plantei um ficus atrás do sofá. Comprei um pote de lavanda, manjericão, alecrim. Por que com uma horta na área de serviço, o que poderia não estar resolvido? Revolvido. Rebobinado. Solucionado. Veio o calor. Mudei a posição da mesa do escritório. Reli alguns poemas de W. W., e tentei cantar a mim mesma naquela noite. Pus um rádio do lado do chuveiro e tomei inúmeros banhos ouvindo esta música. E toda água que escorria pelo ralo, após a intimidade de lavrar o corpo, toda água, toda gota dela, cada molécula de hidrogênio com oxigênio, escorria pelo ralo junto com a sujeira, sabão e o mesmo pensamento: agora sim. tudo. tudo resolvido. E depois de pintar a última parede de cinza, comprar o papel de parede, a cola, regar as plantas, não há nada mais o que possa ser feito por aqui. Na casa. A não ser viver nela.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Cachorrada!

E lá estava eu. Atrás de um homem com o dedo cortado envolto num guardanapo ensanguentado e na frente de um tipo com um trauma interno. Há duas horas, numa fila do pronto socorro, com uma mordida na coxa direita bem maior do que se imaginaria por aquele tipo de cão. "Trinta? Você tá tão assustada que achei que fosse mais nova..." disse a enfermeira. "Água com sabão, melhor que muito remédio.", ela dizia rindo. Engraçado como esse povo ri em salas de pronto atendimento. E você inerte, naquela maca molhada do álcool recém-evaporado do caso anterior."Tá doendo.", choraminguei, "Ah, dói mesmo, parece que o bicho agarra lá no músculo de um jeito que, olha, dói muito."

Paracetamol.

O Parque da Redenção, mesmo cenário da briga que tivemos no dia anterior. Não havia quase gente, só um monte de árvores, terra e brisa. De repente aquele cão, fincado na minha coxa direita. E um velho afobado, magro, mais raivoso que o próprio animal. E eu, pega absolutamente de surpresa como quase sempre na vida. Anti tetânica, anti-rábica, gaze e esparadrapo. A vida continua, ainda que doa. O roxo cresceu com o passar dos dias, a embocadura do bicho gravada na carne inchou, e a ferida começou a fechar. Enquanto isso, minha raiva de tudo minguava a cada hora. Não sei o que aquele cão viu em mim. Astor, seu nome. Mas ele deve ter farejado alguma coisa. Seja lá o que for, deixei tudo o que pude naquele parque, no hospital e nas salas de cinema onde me enfurnei nos dias subsequentes.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pela Colômbia

Vista de Bogotá.


Noite em Cartagena.
BOGOTÁ

Os Colombianos são doces, sobretudo. E é estranho chegar num país onde as pessoas são doces com você, por livre espontânea vontade. Tudo que você pede ou pergunta é atendido com frases do tipo "Com mucho gusto" ou "A la orden" e por aí vai. Meu namorado disse que adoraria que eu respondesse a seus pedidos com frases do tipo. Prometi tentar.

Bogotá é uma espécie de Rio de Janeiro, a qualquer momento seus olhos podem se deparar com uma linda e imponente montanha. Mas ao contrário do Rio, é fria e chuvosa, como São Paulo, o que num primeiro momento confundiu os paradigmas visuais do meu cérebro viciado.

Em Bogotá comemos bem, tomamos chá de Coca por causa do mal estar que sentimos pela altura e tivemos uma carteira batida. Ah sim, em terra de gente gentil também existe ladrão, e lá eles são tão rápidos e eficientes, que se você ousar tirar os olhos de seus pertences por meio segundo, é imediatamente repreendido por algum passante. Ainda que bem informados, tivemos esta baixa.

O doce mais popular, o Arequipe, nosso doce de leite, é um desbunde entre os lábios. Encontramos um bom ceviche por esquina e os famosos patacones, "biscoitos" salgados feitos com banana da terra frita. Há muito que se ver em Bogotá, o Museu do Ouro, a deslumbrante coleção pessoal que Botero doou para o Museu que leva seu nome, entre outros.

Eu, só para variar, fiz a mala errada. Como íamos para Cartagena em seguida, levei todas as minhas roupas tropicais e mais adequadas ao clima caribenho que encontrei no armário. É como se tivesse feito uma mala para Olinda e viajasse para Curitiba. Cheguei numa Bogotá que media 12 graus com sandálias na bolsa. Mais uma vez, fatalmente, tive que gastar parte do orçamento da viagem num casaco.

CARTAGENA

No meio do caminho tinha um tucano,


e um nú em praça pública.



E finalmente, dois dias antes do ano novo, fomos a Cartagena, onde pude enfim, fazer uso da pouca roupa. Mas mais uma vez eu estava enganada. Fui para a Colômbia, por que as milhas da Tam podiam me levar até lá, mas também por que queria muito fugir da aflição do ano novo. Da busca da festa perfeita, dos rituais milagrosos e do vestido branco mais lindo do mundo. Pois é, eu queria um reveillon distante, quase místico, num país andino, cercada de guaiabeiras, tequila e artesanato. Acontece que Cartagena, junto com Punta e Trancoso, é um dos Points mais badalados do verão! E mal havia chegado, já estava eu, desavisadamente, tentando conseguir o convite para a festa perfeita, que intimamente costumo chamar de festa de Campari. Aquela festa com mulheres lindas e esvoaçantes na beira da piscina, drinks coloridos e homens de maxilar quadrados e sorrisos colgate. A festa de Campari em Cartagena. Ainda que contra minha vontade, eu procurava meios de achar um convite, comprar um vestido novo e quase sem perceber escorregava pela vala da aflicão do ano novo.

Em Cartagena comi muitos camarões, lagostas e peixes de todos os calibres. Só que para meu desapontamento em nenhum lugar do país consegui achar meu Kir Royal. Meu único ópio e drink predileto. Em São Paulo encontra-se Kir Royal em quase todos os lugares, e ele custa, em média, entre 14 e 25 reais. O único Kir que encontrei na Colômbia custava 60 reais a taça. Não tive coragem de pedir.

Cartagena é uma cidade murada quase a beira mar. Dá para imaginar a beleza do quadro? Desafortunadamente nosso hotel, apesar de ter muitas estrelas, ficava num bairro fora das muralhas, numa especie de Boissucanga longe de Paraty. Nada trágico, quase ninguém consegue ficar hospedado na cidade histórica, além do mais os taxis são uma pechincha e você pode se locomover para qualquer lugar a preço de um bilhete de ida e volta do metrô paulistano. Graças a Deus, pois Cartagena, como qualquer cidade turística, não é barata. Eu percebi isso assim que desembarquei, quando não me deixaram pegar o carrinho para levar as malas pelo aeroporto, sem que pagássemos o carregador. Tive comprovada minha teoria quando um sujeito, as quatro da manhã do dia primeiro de janeiro, quis nos cobrar o uso de seu isqueiro que pedimos emprestado para ascender as velas da barca improvisada para Iemanjá.

Não fui a festa jet set campari de Cartagena, mas comi uma deliciosa paella e passei a meia noite nos terraços de uma casa estonteante no centro histórico da cidade na companhia de pessoas adoráveis. E pedi paz. Eu que sempre achei cafona pedir paz no ano novo, que sempre pedi tormentas,trabalhos, paixões e excessos, desta vez pedi paz. Descobri, a tempo, que não há uma sequer maravilha externa que possa ser desfrutada quando há uma tormenta interna. Paz de espírito para uma vida agitada.

Em Cartagena fiz bons amigos, andei, bebi, mergulhei no mar azul-giz-de-cera do Caribe e comecei a malhar. Eu sou a única pessoa que sai de férias e começa, surpreendentemente e disciplinadamente, a malhar na academia dos hotéis.




BOGOTÁ
De volta a garoa de Bogotá conhecemos a catedral do Sal, dentro de uma mina, estranhíssima, cheia de enxofre, símbolos e estalictites salgados. Uma catedral feita para os mineiros e prevista para durar dois séculos. Fascinante. Azar o meu ter ido de saltos, pois achei que chegaria numa igreja, sentaria na terceira fileira para rezar uma ave-maria e fazer um pedido. Só que a visita da Catedral consistia em quase dois quilômetros de caminhada.

Vimos uma esposcão do Man Ray e cometemos as últimas loucuras com o cartão de crédito nos restaurantes da cidade antes de ir embora. O bom da Colômbia é que você pode dividir qualquer conta, inclusive as de restaurante em até 36 vezes. "Por supuesto", eles respondem, se você pedir para dividir seu capuccino em treze vezes!

Na última noite descubro finalmente um lugar que serve Kir Royal por apenas 12 reais. Sempre assim, as melhores coisas a gente descobre no último minuto. Faço as malas assistindo um show do The police na televisão do hotel ,da época que eles eram universitários. Por um instante me sinto antiga em pleno século vinte e um. Penso que a altura da cidade pode ter me deixado mais vulmerável. Vamos para aeroporto.

Voamos de Tam, que apesar de tocar axé no início e fim dos vôos, estava mais pontual e confiável que a Aerolíneas Argentinas, que na última viagem nos fez passar quase dois dias de espera em aeroportos e tinha um piloto que, tenho certeza, charmosa e descaradamente fumou uns três cigarros entre Buenos Aires e São Paulo.

Viva a América Latina. Feliz ano novo.

Catedral de Sal.

Botero é erótico

Amigos bons.
Um Helado para os dias quentes.


Uma barca para Iemanjá.




Brisa Caribenha.




Quase napoleônica- uma lhama chamada Mateo.
Pausa para o café.