quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

o dia em que eu fiz as malas para sair de casa

(eu e os pinguins)


O dia em que eu fiz as malas para sair de casa foi antecedido por aventuras exóticas, exuberantes e um carnaval paulistano nas trincheiras de uma escola de samba.

Comecei o ano num SPA linha dura no interior de São Paulo a fim de emagrecer os quilos que estapearam minha cara na última fez que me vi na televisão. Ser atriz e escrever suas medidas em todos os termos de compromisso, além de ser um saco, te faz lembrar o tempo todo o quão inadequada é a dobradinha tv + pipoca durante a madrugada.

Então fomos ao SPA, eu e meu corpinho.

Chegando lá o médico me mediu, me pesou, me fitou e perguntou seu me considerava normal, com sobrepeso ou obesa. "Eu me considero bem normal.", respondi, "mas acho que para o mundo atual estou mais para o sobrepeso.". Não, ele não riu da minha piadinha e ainda me colocou numa dieta, pasmem, de 300 calorias por dia. Sim, aquela garfada de arroz com purê de mandioquinha já contabiliza isso facilmente. Agora, divida essas calorias entre seis refeições de diárias compostas de vento, clorofila, aspartame, gelatina e uma média de sete grãos de arroz no prato do almoço.

É por isso que o SPA é um local onde se fala basicamente sobre: COMIDA. Não há lugar melhor no mundo para passar fome e trocar receitas, dicas de restaurantes, segredos e preços do mercado gastronômico. É claramente um ato de tortura, onde boa parte das pessoas volta a engordar quase o dobro do que emagreceu, quando sai de lá.

Intimidade é uma coisa que se pega fácil também, já que ninguém tem o menor pudor em te perguntar seu peso, seu índice de massa corporal, seu resultado da bioempedância, se seu intestino funciona bem ou não, se seu xixi tá muito amarelo, enfim, essas coisas que na mesa e na vida real não se fala, mas no SPA, é lugar comum. Sexo também, embora figure no regulamento interno que não se pode visitar o quarto dos companheiros, se fala e se pensa muito em sexo num SPA. Isso por que você tira do sujeito a comida e a bebida, fontes primordiais de prazer. Então o que é que sobra e que não engorda? Bingo. Por isso o SPA é um ambiente familiar, mas altamente erotizado, dependendo da roda onde você circular.

(comida de spa: repare na sobremesa de um centímetro e meio)

Eu, como não podia ser diferente, logo me juntei a gang, liderada pelo Marcão, figura que já está em sua quarta operação de estômago e décima visita ao SPA. Marcão tem histórias que já constam nos autos do imaginário da população acima do peso, como as dos dois patos que habitavam a lagoa. Foram capturados, por ele e seu comparsa, que usaram como armadilha um cobertor. Depois foram mortos e depenados na banheira do quarto e junto com os temperos guardados de uma semana (sim, o sal e a pimenta também são controlados por lá), os patos foram levados a sauna no meio da madrugada a fim de serem assados. Como a sauna não deu conta, e já quase amanhecia, os autores do crime pegaram logo um ferro de passar roubado da lavanderia e fizeram os patos a moda da casa: torrados na chapa, sabor eucalipto.

Ficou uma merda, segundo eles, mas a fome era tanta, que tiveram que tentar. Bom, por aí fica a ideia do tipo de gente criativa, engraçada e subversiva que pode circular num SPA. Lugar onde ninguém é alguém, ninguém tem profissão, status, beleza ou feiúra. Tudo isso se dilui numa única meta comum: fazer os ponteiros da balança despencarem.

Os meus cairam quatro quilos em uma semana e eu voltei para casa feliz. Meu único problema é que de lá eu continuava as férias com uma viagem de navio pela Patagônia, acompanhada de trinta e uma pessoas da família para comemorar os sessenta e quatro anos de casamento dos meus avós. Para quem não sabe, navio é um SPA de engorda, onde comidas maravilhosas , vinte e quatro horas por dia são distribuidas aos quatro ventos. E entre ventos, marés, tormentas, geleiras, pinguins e drinks coloridos, eu tive que passar metade das horas do dia na academia do navio para não desperdiçar o dinheiro investido no anteriormente. Quanta esperteza, já que o ideal teria sido organizar o cronograma de forma inversa. Mas bem, saiu desse jeito.

De volta para São Paulo caí na loucura dos projetos, testes, editais e de uma separação.
E não há nada que eu possa escrever sobre o amor ou uma separação que não deixe de fazer sentido antes mesmo da frase ser concluida em minha mente. Por isso há nada a ser dito, a não ser sobre as geleiras.

As geleiras azuis que vi no fim do mundo e que me fazem lembrar que um dia elas não estarão mais lá. Ver uma geleira derretendo é triste, como é triste o fim do amor. Mas a ideia de que elas não acabam, só se liquefazem, me ajuda a entender as coisas que se passam no meu coração. E só posso agradecer a este homem, que além de encarar uma mulher como eu (aqui caberia um parênteses extenso, já que tenho consciência de ser uma mulher bacana de conviver, mas não exatamente simples ou fácil), enfim, agradecer a este homem que me mostrou o amor com tanta generosidade.

No dia em que eu fiz as malas para sair de casa, era uma quarta-feira de cinzas e fazia calor. Por isso só levei as roupas de verão. Nas semanas subsequentes voltei para buscar as peças de frio, embora não tenham qualquer utilidade no momento.

Tenho sentido desejo de comer manga com morango toda manhã, tenho sonhado com mortes noite sim, outras não, e esquecido de escrever as sílabas finais de todas as palavras no bilhetes redigidos a mão. Não, não estou grávida. Estou feliz, melancólica, esquisita. E pronta.


(um pedaço de geleira azul, onde a foto não faz jus a realidade)