segunda-feira, 11 de abril de 2011

ardências e invocacões

E foi assim que eu decidi fazer comida indiana. Do nada. Montamos um cardápio de um livro alemão de receitas. Sim, um cardápio indiano sendo traduzido do alemão para o português. Mais complicado impossível.

Feno grego? Cominho cruzado? Chili verde? Folhas de curry? Todos os tipos de massala, páprika e cúrcuma possíveis. Nunca tinha ouvido falar desses temperos, mas eles existem e, surpreendentemente, podem ser comprados aqui em São Paulo. Começamos os trabalhos às 11 da manhã: os temperos, ir atrás do gui, (que é uma manteiga a moda indiana com menos gordura), comprar flores, inventar uma sobremesa, colocar o chá para ferver horas antes, enfim.

A mesa de casa parecia uma banca do mercado, cheia de pimentas, peixes, legumes, especiarias, farinha, incensos e velas.
Por um instante cheguei até a ouvir o farfalhar das águas do Ganges atrás de mim. Claro, devia estar louca de tanto aspirar especiaria.

Tudo lindo mas deu um puta trabalho. Se o livro dizia, tempo de preparo 1h 40 min, a gente demorava 5 horas, se dizia 40 minutos, a gente levava uma hora e meia.

E o cardápio saiu dessa maneira:

Samosas de entrada (com massa caseira e tudo o mais).
Legumes ao forno no iogurte (que eu passei a receita toda pensando estar fazendo uma salada e no fim era um refogado; culpa das fotos enganosas de livros de receita).
Peixe no leite de côco ( que por conta da minha inabilidade com facas, se despedaçou tanto que virou uma moqueca, algo assim).
Arroz no limão com amendoim (que empapou, mas a culpa não foi minha, foi do João).

E de sobremesa, como não dava tempo de fazer o sorvete de pistache da receita eu comprei um sorvete kibon mesmo, de creme e esmigalhei umas sementes de cardamono em cima (para não sair do clima indiano) e servi com doce de abóbora e uma mistura de nozes e pistache no mel que minha mãe trouxe há um ano atrás da Turquia e eu nunca soube o que fazer com aquilo.

Preciso me gabar, por que apesar de todos os contratempos, cada prato preparado, ficou muito melhor do que imaginei.
Os convidados não entenderam muito bem, já que tinham sido convidados para um simples jantar e deram de cara com aquela sala com cara de templo indiano e a casa toda cheirando a ala de especiarias do mercado municipal. Eu até cogitei vestir um sari, mas achei over e que ia ficar com cara de jantar da novela das oito.

Tudo foi tão verossímel que os amigos pensaram que a qualquer momento um guru indiano ia adentrar a sala pra algum tipo de ritual. Alguém me perguntou de canto: "Escuta, você tá querendo engravidar? Isso é algum tipo de invocação à fertilidade?"."Não, respondi, é falta do que fazer mesmo."
Depois me arrependi da resposta, pois fiquei parecendo uma dona de casa entediada, inventando estripulias culinárias. O que não é verdade, vocês estão de prova, vivo correndo contra o tempo.

Além de tudo fiquei encucada, será que os deuses tão achando que de fato estou fazendo uma cerimônia da fertilidade? Olha, não é bem assim, só que daqui uns anos, ok?

Uma semana depois, admirada com a cesta cheia de temperos que a dispensa herdou do jantar temático, achei que deveria fazer uma pimenta em conserva, já que a pimenteira estava carregada de frutos maduros. Eu nem gosto de pimenta, na verdade, só acho lindo aqueles potes tranparentes, vermelhos, cheios de alho, azeite e pimenta boiando.

Pesquisei na internet, perguntei para o zelador, a faxineira, para deus e o mundo, como proceder com as pimentas. Mil dicas me deram, só que ninguém me disse para usar luvas. E assim, depois de horas cortando pimentas, raspando as sementes com a ponta dos dedos e etc, passei vinte e quatro horas com as mãos em fogo. Parece força de expressão? Exagero de uma atriz escorpiana dramática? Mas não é. Ardia tanto a ponto d'eu chegar no restaurante e estar tão desconcertada com a dor, que tive que pedir um copo de leite e enfiar minhas mãos dentro dele. As duas. Bem elegante.

2 comentários:

  1. Por Krishna, quanto trabalho! Acho complicado até fritar ovos...

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  2. Se as pimentas forem dedo-de-moça ou malaguetas, experimente fazer um vidro só com as pimentas inteiras e vinagre branco. Só isso.Fica bom demais.

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