sábado, 27 de março de 2010
o buquê
Passei anos sem pegar o buquê da noiva. Um dia minha melhor amiga pegou, no casamento da outra melhor amiga, e sob conselhos maternos levou-o até o pé de Santo Antônio na igreja do bairro. Foi aí que meu calo apertou, e eu também quis um buquê.
Na semana seguinte tinha o casamento de uma prima, tudo bem chique, floral, com camarões empanados para acompanhar.Na hora do buquê, posicionei-me estratégicamente, finquei o pé no chão e disse em voz alta "Este buquê é meu.". Para minha grande surpresa o buquê voou redondo pelo ar, dando uma pirueta em minha direção. "Eu disse que era meu", vangloriei-me, mas não era, caiu nas mãos da minha tia Valéria, que estava meio metro adiante. Ela deve ter sentido as moléculas de frustração que meu corpo exalou em direção ao dela, e imediatamente me repassou o buquê. Foi quase como um toque de vôlei, e como eu já estava de prontidão, com as caneleiras em punho e os olhos atentos, ninguém percebeu. Todos acharam que o buquê tinha caído em minhas mãos, e eu pude desfilar tranquilamente pela festa com meu troféu.
Dia seguinte fui à igreja Nossa Senhora do Brasil levar minha oferenda para o santo. Não satisfeita fui descalça, achando que aquilo poderia funcionar como um bonûs extra. Desci a rua Augusta com uma espécie de farsa entre os dedos: o buquê roubado, ou melhor, o buquê concedido, o buquê da consolação. Ainda assim mantive o enredo e coloquei-o nos pés de porcelana. Por um segundo tive plena consciência de tudo, e quis que houvesse ali alguma câmera atrás de mim, que tudo não passasse de uma grande encenação e que dali a pouco eu tomaria um café açucarado com o foquista. Mas tratando-se de mim, aquilo, na verdade não era nenhum absurdo. Voltei descalça e suada para casa.
Dois anos depois, no meio de uma pista de dança anunciaram novamente a jogada do buquê. Eu corri, desta vez na direção oposta. "Desta vez quem não te quer sou eu."E fui para o canto, bem longe da noiva, para rir e desdenhar das ansiosas e novatas no assunto. "Essa humilhação nunca mais.", pensei. Mas eis que no três, em movimento bumerangue, o buquê pinga na minha cabeça e caí nas minhas mãos. Amanheceu num copo de requeijão, na pia de casa, onde permaneceu durante toda sua vida útil. Muitas coisas aconteceram entre um buquê e outro, mas os detalhes são dispensáveis.
Segunda passada estive em um casamento. Na hora do buquê, a noiva reclamou que havia poucas mulheres na pista e eu tratei de ir ao jardim chamá-las. Quando voltei ao salão, o buquê já tinha sido jogado. E eu gostei de não ter que tomar nenhum tipo de posicionamento espacial na cena. Já estou satisfeita de buquês, dos falsos e verdadeiros, e esta é uma afirmação baseada em fatos reais. Parece que a moça que pegou o dito cujo, tomou um banho de champanhe na hora em que saltou para resgatá-lo. Que daqui para frente, ela sempre tenha uma garrafa de espumate gelada em sua geladeira, e muita sorte, intercalada com algum azar, só para ela poder distinguir melhor uma coisa da outra.
segunda-feira, 15 de março de 2010
cobaia
Quando você é filha de médico, e este médico tem algumas tendências revolucionárias, inevitavelmente você acaba sendo um pouquinho diferente dos outros na hora de se tratar. Eu era uma garota comum, tirando o fato de não ter tomado a maior parte das vacinas que as crianças tomavam, de ingerir uma colher gigante de óleo de fígado de bacalhau por dia e de ter curado a maior parte das minhas febres com suco de pimentão, para horror das professoras, que não entendiam por que simplesmente não me davam uma dose de antibiótico.
Hoje em dia meu pai é bem menos radical, mas continua bem revolucionário. Mistura tratamentos alternativos com pesquisas em laboratório e eu tomo antibióticos e anti-inflamatórios quando preciso, mas continuo tomando minhas bandeja matinal de fitoterápicos. A última vez que terminei um namoro, digo, que terminamos o namoro, bom, na verdade , que terminaram comigo, eu liguei para o meu pai na mesma hora e disse com toda a tranquilidade: "Pai, tô na maior fossa, vou tomar um remédio para dormir, não importa o quanto você seja contra, mas quero saber qual é menos pior: o dormonid, rivotril ou o frontal?"
No que ele me respondeu rapidamente: "Todos são piores, você vai acordar mais deprimida do que está agora."
"Então vou encher a cara de vinho..." retruquei.
"Martha, vem para cá agora!"
E eu fui, correndo, e ele me deu tanta homeopatia, fitoterapia e outras calmarias, que desabei na cama sem nem lembrar do nome do extinto namorado. Estou contando tudo isso por causa da minha atual infecção do dente. Meu dentista, amigo de faculdade do meu pai, disse que só ia fazer a cirurgia depois que meu pai tratasse com medicação. E após uma semana de muitas injeções, cápsulas, soro e paciência, voltei no consultório. O dentista olhou a chapa do raio-x sorrindo, "É bruxaria mesmo, sumiu tudo, acho que não vamos ter que abrir." Quase explodi de alegria, tenho pavor daquela anestesia na gengiva, daquele bocão pós-cirúrgico. Mas contiuo me tratando, sem poder tomar nem uma cerveja para ajudar a baixar a temperatura do corpo, nesses dias tão quentes que chegam a ser tolos. Mas tudo bem, como diz a avó de alguém, "Saúde e Paz, o resto a gente corre atrás." O que me faz lembrar do meu amigo Marcelo, que um dia soltou este ditadinho popular na sala da casa da namorada uruguaia. Acontece que correr, em espanhol, significa foder, literalmente, e a cara da família da moça, vocês podem imaginar.
Daqui do meu apartamento encalorado e cheio de vitaminas, desejo boa semana para todos, apesar de todas as tritezas que andam diluídas no ar da cidade. Saúde e paz e uma boa corrida atrás do que falta.
Hoje em dia meu pai é bem menos radical, mas continua bem revolucionário. Mistura tratamentos alternativos com pesquisas em laboratório e eu tomo antibióticos e anti-inflamatórios quando preciso, mas continuo tomando minhas bandeja matinal de fitoterápicos. A última vez que terminei um namoro, digo, que terminamos o namoro, bom, na verdade , que terminaram comigo, eu liguei para o meu pai na mesma hora e disse com toda a tranquilidade: "Pai, tô na maior fossa, vou tomar um remédio para dormir, não importa o quanto você seja contra, mas quero saber qual é menos pior: o dormonid, rivotril ou o frontal?"
No que ele me respondeu rapidamente: "Todos são piores, você vai acordar mais deprimida do que está agora."
"Então vou encher a cara de vinho..." retruquei.
"Martha, vem para cá agora!"
E eu fui, correndo, e ele me deu tanta homeopatia, fitoterapia e outras calmarias, que desabei na cama sem nem lembrar do nome do extinto namorado. Estou contando tudo isso por causa da minha atual infecção do dente. Meu dentista, amigo de faculdade do meu pai, disse que só ia fazer a cirurgia depois que meu pai tratasse com medicação. E após uma semana de muitas injeções, cápsulas, soro e paciência, voltei no consultório. O dentista olhou a chapa do raio-x sorrindo, "É bruxaria mesmo, sumiu tudo, acho que não vamos ter que abrir." Quase explodi de alegria, tenho pavor daquela anestesia na gengiva, daquele bocão pós-cirúrgico. Mas contiuo me tratando, sem poder tomar nem uma cerveja para ajudar a baixar a temperatura do corpo, nesses dias tão quentes que chegam a ser tolos. Mas tudo bem, como diz a avó de alguém, "Saúde e Paz, o resto a gente corre atrás." O que me faz lembrar do meu amigo Marcelo, que um dia soltou este ditadinho popular na sala da casa da namorada uruguaia. Acontece que correr, em espanhol, significa foder, literalmente, e a cara da família da moça, vocês podem imaginar.
Daqui do meu apartamento encalorado e cheio de vitaminas, desejo boa semana para todos, apesar de todas as tritezas que andam diluídas no ar da cidade. Saúde e paz e uma boa corrida atrás do que falta.
sábado, 6 de março de 2010
os embalos da vida adulta
Foi um sonho que tive. O carro emperrava. Eu viro a chave e dou nova partida, mas as rodas não giram. Então eu olho para baixo, e vejo que estou no carro dos Flintstones, que o que está emperrado, na verdade, são minhas pernas. Acordo e resolvo abrir uma empresa, tentar entender sobre impostos, sobre siglas de impostos, todas essas transações que são para mim, tão abstratas como a bolsa de valores ou a localização exata do espaço virtual no mundo. E diante dessa decisão, do medo da receita federal e das notificações que podem vir a chegar embaixo da minha porta, minhas rodas andam, mas é aí que minhas costas travam, durante uma semana, e depois delas, uma inflamação nos dentes. Em seguida uma febre, uma caixa de antibióticos no valor de cento e dezesseis reais, que é quase o valor dos honorários mensais do contador. Ontem uma noite de pequenos delírios febris. Hoje uma manhã comum, sem dor e a notícia de que minha sobrinha conseguiu dar sozinha, seus cinco primeiros passos em direção a vida adulta. Depois caiu com a bunda no chão.
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