Abri o jornal e tinha a notícia sobre um acordo nuclear. O algodão do seridó é o melhor do mundo? Que nos importa, madrugada passada perdemos o Cesana. Grande em todos os sentidos, grande de corpo, de alma, coração, grande ator, criador, amigo, escritor, grande risada. O Cesana sempre foi nossa risada companheira na platéia, em alto e nítido som, você sabia quando ele estava lá te assistindo. Era bom. Também era fácil rir com ele. Um dia, no Rio de Janeiro, encontramos o Cesana, em plena tarde do dia 31 de dezembro a espera de um reveillon solitário. Tinha ido fazer algum trabalho e não podia sair da cidade. Ele se juntou a nossa turma e foi uma virada inesquecível. Foi a partir daí que o conheci melhor. Hoje fiquei falando dele para minha mãe, e ela me lembrou que anos atrás o Cesana foi em casa e eu disse. "Mãe, este é o Cesana, puta ator." Ela se lembra bem disse porque quando voltou para casa, encontrou a louça toda lavada e chegou a conclusão que só o Cesana poderia ter limpado tudo aquilo, já que ela jamais esperaria isso de mim, e com razão. Engraçado ela lembrar disso. Não tenho certeza de que foi ele quem lavou aquele monte de pratos, mas é provavel, porque o Cesana era um cara gentil, especialmente com as mulheres.
Ontem foi fomos nos despedir do Marquinhos, que foi como a monja Cohen o chamou. Entre outras coisas ela disse algo parecido com "é como se um amigo fosse fazer uma viagem, você não ia desejar que tudo corresse bem para ele? Que ele fosse em paz? Ou você ia ficar reclamando, pedindo para ele voltar? Pois então, é isso que devemos desejar a ele, que ela vá em paz, que faça uma boa viagem."
Eu não via o Cesana há algum tempo e dói pensar nisso, embarga os olhos, congestiona a garganta. A sensação de ter perdido tempo, de ter faltado a própria festa de aniversário. Não ver os amigos é um pecado. Muitos que estavam no velório, eu também só tenho visto em ocasiões difíceis, de onde tiro a sábia, se me permitem, e óbvia conclusão, que devemos fazer mais festas, tomar mais cafés, vinhos, o que for, com as pessoas que gostamos, admiramos ou amamos. Só isso.
Boa viagem querido. Pode deixar que por aqui vamos continuar fazendo bobagens. Tentaremos sempre estar por perto dos seus filhos e da sua mulher. No final das contas, somos mesmo uma grande familia.
terça-feira, 18 de maio de 2010
quarta-feira, 12 de maio de 2010
da série CARACTERÍSTICAS
MULHER número: 1
solitária e mandona
Se tivesse alguém para jantar comigo, tirava aquelas ervilhas do congelador, aquela massa folhada que está para vencer, e junto com uma gorda fatia de queijo, colocava tudo para gratinar. Não tem erro, gratinada, até pedra de construção fica boa. Depois enchia a banheira, pois claro, se houver uma cadeira a mais na mesa da cozinha, há de haver uma banheira no lugar do bidê. Aliás, teria mesa de jantar. Uma bem lisa, de madeira lixada, lustrada, a salvo da gordura do fogão , com um lustre de vidro polido em cima para enfeitar. E bem, já que há um lustre, melhor mesmo que seja de cristal. Com lâmpadas quentes, que estou farta de economizar em luz fria. Dói a vista. Neguinho construindo arma nuclear e eu economizando com lâmpadas frias. Quero mais é luz de abat-jour na casa toda, dentro do box do banheiro. Box de vidro, porque cortina de plástico enfeitada com peixinho colorido, já torrou a minha paciência. A minha e a do rodo, que tenho que passar cada vez que se liga o chuveiro. Nem banho de beija-flor estas fajutas seguram. E boiler, com água quente até na fonte japonesa. Para o lixo com essas duchas elétricas. Na infância me davam choque, agora nem nisso. Antes tomava banho de chinelos, passava o tempo todo olhando para os pés, para a tira elástica que feria de leve entre o dedão e dedo da mulher mandona. Sabe que quem tem o segundo dedo maior que o dedão, vai ser uma esposa mandona? Eu tenho. Se viesse alguém para o jantar, eu bem que poderia fazer uso deste artifício. A vida toda com este dedo olhando para mim, me chamando de mandona, é só o que me resta. Mandar. Por enquanto mando na casa, nas paredes, derrubo uma parede se quiser, uma sem cano. Mando nos azulejos se precisar. Pinto, troco, arranco. E saio mandando, da hora que acordo , até voltar para a cama. Mando no moço da padaria, mando ele colocar orégano no queijo quente, sem cobrar em cima. Ele obedece. Eu também obedeço quando mandam em mim no trabalho. Um vai obedecendo o outro, até chegar lá em cima, num topo de montanha coberto com neblina, um homem bem rico, com vinte faqueiros de prata na casa e armários embutidos talhados em pau-brasil. Um homem feliz, com um charuto na boca e um escalda pés na bacia de cobre, sempre, na hora em que ele quiser. Um homem que ninguém manda, ninguém manda nele, ele manda em todo mundo. Mas se ele descesse aqui em casa, um dia, te garanto, ia ter que tirar os sapatos antes de entrar. Aí ele ia saber o que é alguém mandando nele. Eu lhe faria este favor, só a título de experimento. Para este homem, eu prepararia uma refeição fria, porém honesta. Só para ele saber como as coisas andam por aqui.
solitária e mandona
Se tivesse alguém para jantar comigo, tirava aquelas ervilhas do congelador, aquela massa folhada que está para vencer, e junto com uma gorda fatia de queijo, colocava tudo para gratinar. Não tem erro, gratinada, até pedra de construção fica boa. Depois enchia a banheira, pois claro, se houver uma cadeira a mais na mesa da cozinha, há de haver uma banheira no lugar do bidê. Aliás, teria mesa de jantar. Uma bem lisa, de madeira lixada, lustrada, a salvo da gordura do fogão , com um lustre de vidro polido em cima para enfeitar. E bem, já que há um lustre, melhor mesmo que seja de cristal. Com lâmpadas quentes, que estou farta de economizar em luz fria. Dói a vista. Neguinho construindo arma nuclear e eu economizando com lâmpadas frias. Quero mais é luz de abat-jour na casa toda, dentro do box do banheiro. Box de vidro, porque cortina de plástico enfeitada com peixinho colorido, já torrou a minha paciência. A minha e a do rodo, que tenho que passar cada vez que se liga o chuveiro. Nem banho de beija-flor estas fajutas seguram. E boiler, com água quente até na fonte japonesa. Para o lixo com essas duchas elétricas. Na infância me davam choque, agora nem nisso. Antes tomava banho de chinelos, passava o tempo todo olhando para os pés, para a tira elástica que feria de leve entre o dedão e dedo da mulher mandona. Sabe que quem tem o segundo dedo maior que o dedão, vai ser uma esposa mandona? Eu tenho. Se viesse alguém para o jantar, eu bem que poderia fazer uso deste artifício. A vida toda com este dedo olhando para mim, me chamando de mandona, é só o que me resta. Mandar. Por enquanto mando na casa, nas paredes, derrubo uma parede se quiser, uma sem cano. Mando nos azulejos se precisar. Pinto, troco, arranco. E saio mandando, da hora que acordo , até voltar para a cama. Mando no moço da padaria, mando ele colocar orégano no queijo quente, sem cobrar em cima. Ele obedece. Eu também obedeço quando mandam em mim no trabalho. Um vai obedecendo o outro, até chegar lá em cima, num topo de montanha coberto com neblina, um homem bem rico, com vinte faqueiros de prata na casa e armários embutidos talhados em pau-brasil. Um homem feliz, com um charuto na boca e um escalda pés na bacia de cobre, sempre, na hora em que ele quiser. Um homem que ninguém manda, ninguém manda nele, ele manda em todo mundo. Mas se ele descesse aqui em casa, um dia, te garanto, ia ter que tirar os sapatos antes de entrar. Aí ele ia saber o que é alguém mandando nele. Eu lhe faria este favor, só a título de experimento. Para este homem, eu prepararia uma refeição fria, porém honesta. Só para ele saber como as coisas andam por aqui.
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