MULHER número: 1
solitária e mandona
Se tivesse alguém para jantar comigo, tirava aquelas ervilhas do congelador, aquela massa folhada que está para vencer, e junto com uma gorda fatia de queijo, colocava tudo para gratinar. Não tem erro, gratinada, até pedra de construção fica boa. Depois enchia a banheira, pois claro, se houver uma cadeira a mais na mesa da cozinha, há de haver uma banheira no lugar do bidê. Aliás, teria mesa de jantar. Uma bem lisa, de madeira lixada, lustrada, a salvo da gordura do fogão , com um lustre de vidro polido em cima para enfeitar. E bem, já que há um lustre, melhor mesmo que seja de cristal. Com lâmpadas quentes, que estou farta de economizar em luz fria. Dói a vista. Neguinho construindo arma nuclear e eu economizando com lâmpadas frias. Quero mais é luz de abat-jour na casa toda, dentro do box do banheiro. Box de vidro, porque cortina de plástico enfeitada com peixinho colorido, já torrou a minha paciência. A minha e a do rodo, que tenho que passar cada vez que se liga o chuveiro. Nem banho de beija-flor estas fajutas seguram. E boiler, com água quente até na fonte japonesa. Para o lixo com essas duchas elétricas. Na infância me davam choque, agora nem nisso. Antes tomava banho de chinelos, passava o tempo todo olhando para os pés, para a tira elástica que feria de leve entre o dedão e dedo da mulher mandona. Sabe que quem tem o segundo dedo maior que o dedão, vai ser uma esposa mandona? Eu tenho. Se viesse alguém para o jantar, eu bem que poderia fazer uso deste artifício. A vida toda com este dedo olhando para mim, me chamando de mandona, é só o que me resta. Mandar. Por enquanto mando na casa, nas paredes, derrubo uma parede se quiser, uma sem cano. Mando nos azulejos se precisar. Pinto, troco, arranco. E saio mandando, da hora que acordo , até voltar para a cama. Mando no moço da padaria, mando ele colocar orégano no queijo quente, sem cobrar em cima. Ele obedece. Eu também obedeço quando mandam em mim no trabalho. Um vai obedecendo o outro, até chegar lá em cima, num topo de montanha coberto com neblina, um homem bem rico, com vinte faqueiros de prata na casa e armários embutidos talhados em pau-brasil. Um homem feliz, com um charuto na boca e um escalda pés na bacia de cobre, sempre, na hora em que ele quiser. Um homem que ninguém manda, ninguém manda nele, ele manda em todo mundo. Mas se ele descesse aqui em casa, um dia, te garanto, ia ter que tirar os sapatos antes de entrar. Aí ele ia saber o que é alguém mandando nele. Eu lhe faria este favor, só a título de experimento. Para este homem, eu prepararia uma refeição fria, porém honesta. Só para ele saber como as coisas andam por aqui.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
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Texto bom...
ResponderExcluirO que o Schopenhauer tem a ver com ele?
Fiquei curioso!
Beijo.
Obrigada Leonardo. Confesso que o Schopenhauer é um pouco filosofia da época em que eu ainda estudava no colégio, ou seja, meio imatura: a coisa do ser humano de nunca se saciar, de querer mais, e mais e mais, e não haver nada que consiga preencher este querer...talvez a arte. é mais ou menos isso que eu lembro do Schopenhauer...bj
ResponderExcluirIsso é porque o 'mundo' para o Schopenhauer é uma 'vontade', e isso de alguma forma nos afeta. Por aí.
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