quinta-feira, 3 de março de 2011

Diário de Berlim

Primeiros dias

Dois dias após uma ressaca monumental (daquelas que você talvez tome uma uma vez por semana mas eu só tomo uma vez por semestre) saio pela Amaral Gurgel atrás do meu novo passaporte. Não sei exatamente qual foi o milagre que fiz para conseguir tirá-lo em seis dias sem visita pré agendada, só sei que fiz. Faço minha última refeição no Brasil, dou uma última olhada no Facebook (quem diria que isso viria a ter tanta importância)e corro para Guarulhos antes da chuva. Uma hora e meia na fila da polícia federal (e nós ainda temos a copa pela frente) e uma chuva de explicações no raio-x por conta dos litros de homeopatia que carrego na mala de mão, embarco para Zurique.

Um bebê a bordo. Um bebê irritante e milhares de milhas de choro depois estou acima dos Alpes suíços. Em duas horas e meia chego a Berlim. Tinha esquecido como Berlim é silenciosa e como as árvores ficam secas no inverno a ponto de parecerem fazer parte de um pôster na minha parede adolescente.

Adoro o frio. Adoro as cozinhas daqui, o pão preto, as salsichas e as casas aquecidas. Um tanta melancólico, se você tiver ou estiver com essa tendência.

Tenho o tempo de um banho e uma sopa tailandesa até chegar ao meu primeiro dia de aula, uma classe as seis da tarde sobre a técnica de Meisner. Fico nervosa, não conheço ninguém, não conheço essa técnica. Todos parecem conhecer e sem que eu me dê conta, já estou em roda fazendo parte de uma aquecimento ridículo. Todos os aquecimentos são ridículos.

Depois veio a técnica. O primeiro exercício consiste em estar na frente de alguém, observar e ser observado por esse alguém até que qualquer coisa honesta venha a sua mente. Então você deve dizer, o que vê na pessoa em questão, ou o que ela provoca em você. E aí seu parceiro vai repetir o que você disse e você vai repetir o que ele disse até que a frase se transforme e você também. É difícil explicar, mas é interessante. De fato é um pouco isso o que consiste o trabalho do ator. Ouvir o outro, deixar que o outro te afete, afetar o outro, ser honesto em todas as suas ações, estar aberto. Mesmo que seja a septuagésima vez que você está repetindo aquilo. O que eu mais gostei foi perceber que qualquer pessoa, qualquer ser humano que pare na sua frente e você esteja condenado a observá-lo, qualquer, qualquer um tem algo notável. E você pode passar batido por uma multidão, mas pode colocar uma lente de aumento em alguém de vez em quando.

Eu me dei muito mal no primeiro exercício, o professor disse, entre outras coisas, que eu segurava a bola, que ninguém gostaria de jogar ping pong com alguém que segurasse a bola na mão toda toda vez, antes de jogar a bola de volta. Eu nunca tinha visto aquelas pessoas, alunos do mundo todo, mas morri de vergonha deles. Voltei para o meu lugar e duas horas depois resolvi tentar de novo. E decidi ser verdadeira, e dizer as coisas mais absurdas que eu pudesse pensar, sem pensar muito. E rebater, estar atenta. Despojada. Ali. Então alguma coisa aconteceu. E foi impressionante.

5 comentários:

  1. Olá Martha,

    Parabens pelo seu blog; gostei do seu estilo, direto e reto, sem afetações, dizendo o que está pensando ou sentindo na lata, sem filtros.

    Bjs, Chuck

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  2. Martha, esse negócio de escrever muito de vez em quando não vale!!!
    Bjs, priscila

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