quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Caro tataravô Maximilian,

É uma pena não termos nos conhecido, mas onde quer que você esteja, ou não, já deve ter percebido que minha constituição portuguesa não deixou nenhum espaço para que qualquer resquício da minha ascendência alemã pudesse se manifestar.

Ontem fui a praça da Sé e como sempre parei para admirar a Catedral que o senhor projetou. Confesso que me sinto um tanto importante quando passeio pelas ruas do centro e penso que sou tataraneta do homem que construiu a Catedral da cidade. Tive até vontade de contar para uma das moças que me atendeu no PoupaTempo, mas acho que ela ficaria mais animada se eu dissesse que era prima da prima da irmã, da última vencedora do Big Brother Brasil. O senhor nem imagina o que é um reality show, e é bom que nem imagine mesmo.

Outro dia li uns artigos sobre sua obra arquitetônica, que foi bastante criticada por ser uma mistura de muitos estilos e não ter estilo nenhum; acho que era isso que dizia o crítico. Já eu vovô, adoro ver aquela cúpula verde dos vários pontos de São Paulo e sei de muita gente que gosta também. Te juro, Max, gostaria de colocar o sujeito que inventou o nome PoupaTempo, para passar o dia olhando um painel de senhas como eu passei. Aí sim, eu queria ver se ele não se sentiria ridículo por ter escolhido um nome tão infame e enganoso. Sete horas de fila para renovar uma habilitação, acredita? E eu sem nenhum livro, jornal, ou terço para rezar. Falando em terço, bom, o senhor já deve saber que minha tia avó, sua neta Alba, morreu sábado passado. Ela sempre me mandou cartas do convento onde morava, as quais eu respondia com imensa alegria no coração. Já foi em algum enterro de freira Max? É leve, bonito, para elas, que rezam a vida toda para encontrar Deus, a morte é um momento sublime. Foi o que me pareceu, quando as outras freiras colocaram nela o manto branco de festa. Pois é, as pessoas se vão para algum lugar neutro, pior ou melhor do que aqui, e nós ficamos com a árdua tarefa de pensar sobre nossa finitude.

Sabe que ela morreu num sábado e vovó me disse com grande entusiasmo que Tia Alba tinha usado um escapulário a vida toda e que Nossa Senhora do Carmo prometeu que quem o usasse e morresse em estado de graça, ela viria buscar no primeiro sábado depois da morte. Minha avó, irmã de Tia Alba, estava feliz porque já que ela tinha morrido num sábado, nem precisaria esperar muito. Ela estava triste também, o que me deixou de coração partido. As pessoas que foram no enterro, lá no Carmelo de Cotia, consideravam Tia Alba uma espécie de santa e vinham de todos os lugares passar objetos em seu corpo, tirar fotos e deixar mensagens em seu caixão. Me senti numa pequena procissão em terra santa. Eu mesma, fui até o corpo e coloquei minha mão em cima da dela. Não sei se foi a ocasião, o calor, ou o quê, mas senti uma tontura e formigamento dos pés a cabeça. Uma sensação forte, sem nome. Talvez ela seja mesmo uma santa.

Saudades.

No mais a vida, que vive entrando e saindo dos eixos. Caro Max, talvez não exista nada além do pó, ou talvez o senhor seja um arquiteto de nuvens, nomeado por Deus e tenha os tetos de suas obras celestes pintados por Michelângelo. Ou então, o senhor é uma dessas almas que pairam sobre a órbita terrestre rindo de uns e ajudando outros. Caso seja este o caso, dê uma força aqui para sua tataraneta, porque este final de ano, vou te contar, está bravo. Talvez você me diga o mesmo que vive me dizendo meu pai, toda vez que reclamo da grana. "É filha, eu te falei que você estava escolhendo uma profissão difícil." A questão Maximilian, é que eu não escolhi esta profissão, foi ela que me escolheu. Eu sei, pode parecer uma resposta excessivamente poética e clichê, mas é a pura verdade. Por isso me ajude a encontrar algum trabalho, além dos meus milhares de projetos pessoais ainda não remunerados. Algo para cobrir o final de 2009 e começo de 2010, seja atuando, escrevendo ou pintando rodapés. Isso se o senhor estiver sem muito o que fazer por aí. De qualquer forma é estranho estar no mundo e é bom ter tido a ideia de escrever para o senhor.

Te mando um grande beijo,
da sua quarta geração,
de sangue e aspirações,

Martha

4 comentários:

  1. que lindo. adoro seu texto. parabéns pela família. uma honra tudo isso. beijos,

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  2. Lindo isso. Dá uma sensação de que a ancestralidade está sempre olhando por nós. Vai saber, né? Poético. bjs.
    Marina F.

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