quarta-feira, 22 de julho de 2009

UM POST ÀS CEGAS

Dorina de Gouvêa Nowill

Foi engraçado porque era um jantar às escuras e quando a moça colocou a venda nos meus olhos e sugeriu que eu comesse tudo com a mão, juro que quase me arrependi de ter pago para estar lá. Mas ali no escuro, algumas coisas ficaram claras para mim. Os sentidos ficam mais aguçados, sim, quando não se tem acesso a visão. A comida tem mais gosto quando pega com as mãos, e a gente tem uma necessidade muito menor de falar quando não enxerga. A gente fala mais do que precisa, essa é a verdade. Eu, pelo menos, tive vontade de ficar quieta atrás da minha venda, e quando falei, era tão estranho conversar privada de um dos meus sentidos, que minha fala acabou despida de maiores acabamentos. Explico, quem estava do meu lado era minha mãe, e aquela venda nos olhos me deixou de tal forma “bêbada” e desinibida, que acabei falando um monte de bobagens que nunca teria dito se ela estivesse olhando para minha cara, como faz normalmente. Depois de um tempo você acaba se acostumando à escuridão, adquire uma nova noção de espaço e percebe que o mundo é ruidoso em seu desenrolar. Eu descobri que odeio jaca, pelo cheiro, e que uma voz quando é irritante, passa a ser insuportável se você não tem olhos para dividir os esforços com os ouvidos.

Dia seguinte fui correndo contar a aventura para minha avó Dorina, cega há mais de setenta anos e para quem não sabe, fundadora da primeira fundação para cegos no Brasil em 1946. Mas antes que eu pudesse terminar a frase, ela me interrompeu de um jeito honesto, e sem um pingo de tristeza na voz. “Sabe Martha, do que eu chamo tudo isso? Uma grande bobagem, uma baboseira sem fim. Vocês vão lá, jantam no escuro e voltam dizendo que agora entendem o que é ser cego. Acontece que no fim da noite você abre os olhos e seu mundo volta ao normal, enquanto que um cego pode tirar a venda, abrir os olhos, que ele não volta a enxergar, nunca mais. Pode até ter sido interessante para você, mas não tenha a ilusão de que você teve um só milésimo da sensação de estar no meu lugar, porque você não teve.”

É, não tive. Ninguém pode se colocar no lugar de alguém. Pode-se tentar com máximo empenho, que é o que eu acho que faço quando atuo e esqueço de mim por algumas horas.

2 comentários:

  1. Admiro muito os cegos. Considero que eles são muito corajosos. Vejo eles (elas) andando pela cidade, utilizando metrô, ônibus, tocando a vida do jeito que dá.

    Como sua avó diz, não dá para conhecer, vivenciar, como a vida é a vida deles, nunca abrir os olhos.

    Aproveitando, admiro muito também o trabalho da sua avó e da sua fundação.

    Um abarço

    José FRID

    ResponderExcluir
  2. ela é admirável mesmo. obrigada pela visita, beijos

    ResponderExcluir