Um colega sugeriu que eu escrevesse um texto sobre a morte do teatro.
“A morte do teatro?”
“é... algo como a TV matou o teatro ou a internet vai ressuscitar o teatro!”
“A morte do teatro?”
“é... algo como a TV matou o teatro ou a internet vai ressuscitar o teatro!”
Por que é que as pessoas querem tanto matar o teatro?
Ele é o primo pobre e intelectual da família, aquele que fica no canto da ceia natalina, fumando escorado à porta, óculos escuros e olhar contemplativo. Ele é de longe o mais inteligente da sala, só não aprendeu ainda a fazer fortuna. E depois de uns copos a mais, ele esbraveja e passa o resto da noite importunando os presentes com as verdades que aponta na cara. Pois é, é o primo mais interessante, embora meio chato e inconveniente quando fala com o dedo em riste e a voz empostada. O primo mala. Será que é por isso que querem matar o teatro? Quando surgiu o cinema, disseram que o teatro ia morrer. Quando veio a TV, disseram que o teatro ia morrer. Então veio a internet e dessa parece que ele não ia escapar. E devem ter dito o mesmo quando inventaram o rádio, mas o teatro não morre, surpreendentemente. Anos atrás teve aquela febre em São Paulo, abriram um monte de mega livrarias e eu achei estranho. Achei que as pessoas não liam mais. Mas surpreendentemente, elas lêem. Se são coisas de qualidade eu não sei, mas o que eu quero dizer, é que assim como lêem, as pessoas continuam indo ao teatro. Em primeiro lugar por que é feito por um bando de amadores que literalmente amam o que fazem. E também por que a experiência com o teatro pode, sim, ser tão insuportável quanto aquela conversa com o primo mala. Aquela conversa onde só ele fala, onde ele pergunta e responde, não ouve a sua opinião, repete mil vezes a mesma coisa, fala mal dos outros e só sabe se lamentar. Mas se você pegar o primo num dia bom, num dia inspirado, ele vai te dizer coisas que você passou anos esperando ouvir. E vai te dizer de um jeito que te fará perder a fala, prender o ar e sentir um negócio estranho ali dentro. E você não sabe se o que sente é bom ou ruim. Então você vai embora para casa pensando que deveria ter comido menos peru, que aquele espaço que a comida está tomando de você, tá fazendo uma puta falta agora. Agora que você precisaria que este espaço estivesse vazio, agora que você precisa sentir.
Eu fujo das conversas chatas, dos meus primos malas e das peças que fazem as pessoas quererem matar o teatro. Entendo elas. Não lembro exatamente quando foi a primeira vez que o teatro me encantou, só sei que toda vez que me sento para assistir uma peça ou entro em cena para fazer parte de alguma, toda vez, eu persigo a sensação desse primeiro encontro. Sabe o casal que passa anos se beijando, esperando que o beijo volte a ser tão bom quanto aquele primeiro? É decepcionante, muitas vezes, mas quando é bom, acaba redimindo todas as noites em que se quis sair correndo no primeiro black out de uma peça. Parece um mau negócio para quem vê de fora, e talvez seja mesmo. Talvez o teatro não devolva metade do que você dá para ele. Talvez ele retribua de um jeito mais tímido, menos óbvio. O fato é que quando damos nossos primeiros passos, o teatro começa em nossa vida, com alguém aplaudindo nosso primeiro grande feito. E não pára mais. Uma coisa é inquestionável, o teatro chegou primeiro, junto com as baratas, e assim como elas, não morre fácil. Por que é resistente, imprescindível e não precisa de muito para acontecer. Já reparou quantos filmes e séries de televisão giram em torno do primo pobre? Já reparou quantas peças estão em cartaz? (eu contei até cem, depois desisti) E já notou que na maior parte das vezes que alguém te conta uma experiência transformadora, não foi com a TV, nem com o cinema, foi no teatro? Talvez ele morra naturalmente, quando o ser humano deixar de ser hipócrita, mas até lá, a presença de um primo mala é necessária, de quando em quando, como um bom espelho pela manhã. E um bom espelho não te esconde nada, nem beleza nem feiúra.
martinha...
ResponderExcluirque boa noticia... leitura inteligente na internet...
to com saudades, liga q to sem seu telf
Adoreeeeeeeeeeeeeei Martha! E esse video... hahaha
ResponderExcluirMORRI DE RIR!
Beijos, escreva sempre!
Prima pobre,
ResponderExcluirMerda no seu blog!
Vc escreve lindamente, como já sabíamos...
beijocas,
Primo Pob(d)re
martha!
ResponderExcluireu tô aqui numa fase distante desse primo, e portanto morrendo de saudades dele... o teu texto me emocionou. obrigada!
se voltar à paris, vamos ver se conseguimos sentar para um café?
beijos,
nana.
seja bem vinda
ResponderExcluirno teatro, como nos blogs , como no vídeo anexo, o que importa é o público. não tem sentido fazer sem. acho que isso é um começo de ligação... bj
ResponderExcluirnão tem sentido mesmo. bj
ResponderExcluirprimo podre, obrigada! que codinome é esse? beijos
ResponderExcluirMartha,
ResponderExcluirapesar de eu não comemorar o Natal, vejo meus primos apenas duas ou três vezes por ano. é um saco.
poxa, quem sabe um dia ele solta alguma interessante...
ResponderExcluirboa Martha! adorei os textos, o vídeo, mas, principalmente, a iniciativa de alguém que sempre soube que tem muito a dizer. Viva viva!!!
ResponderExcluirparabéns pelo seu blog, amiga. digo isso com orgulho e honestidade, já que é bom quando alguém que admiramos resolve nos contemplar com textos tão lindos. e você tem, e sempre teve esse mérito. obrigada por esse presente inspirador ! que metáfora incrível.. e te digo que apesar de todas as comidas chiques que me dão por aí, continuo preferindo aquela marmita que me dão quando estou no canto da sala. viva ! saudades, besos, gu
ResponderExcluirGu, valeu amiga querida..
ResponderExcluirO teatro morreu! Viva o teatro!!!
ResponderExcluirAdorei o texto! C'est très joli, charmant, avec beaucoup de "cachaleque". Je t'aime, chérie. M E R D E!
Martha, afora a turma da ABL, nada é imorrível. O que me dá esperança, de um dia o futebol nos deixar. Beijo e parabéns.
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