terça-feira, 17 de novembro de 2009

Rehab

É impressionante como acompanhar uma novela pode fazer com que você compreenda e participe de conversas para as quais nunca foi chamada antes.

Faz três anos que moro sozinha, dois deles sem televisão. Eu tinha uma antena que comprei na loja de construção aqui do bairro, cheguei a colocar bombril na ponta dela, mas a imagem nunca deixou de ser dupla. Então eu nunca mais tinha visto tv e vivia bem assim. Até o belo dia que liguei para resolver um problema na internet e a moça me convenceu de que eu estaria fazendo um excelente negócio se adquirisse o Combo Triplo.

No começo eles te dão todos os canais para você pegar gosto, depois vão tirando, aos poucos, um telecine aqui, uma gnt ali, e quando você vê, está apenas com o Animal Planet e a Universal pegando, já que o meu Combo é dos mais vagabundos. Isso quer dizer que posso escolher entre o Law and Order ou os programas de redecoração de casas de casais em crise.

Eu acabei descobrindo o poder analgésico, desinflamatório e aparentemente adstringente das novelas. Sim, eu deito no sofá, fecho as cortinas, ligo a TV e me torno, durante algumas horas uma espécie de ameba, esponja marítima, uma cadeia de aminoácidos primitivos. O mundo vai se distanciando, o corpo amolecendo e aquela voz padrão dos atores e locutores da Rede Globo vai agindo como uma espécie de mantra no meu cérebro.

No começo tudo bem, eu pensei, porque se existe no mundo alguma coisa que faça desacelerar o meu pensamento por alguns instantes e não cause danos irreversíveis nos meus neurônios, por que não fazer uso dela? Acontece que com essa desculpa, "Preciso descansar a cabeça", eu me viciei. Quando vi, estava assistindo o fim da novela das seis, o meio da das sete e a das oito inteirinha, inclusive comerciais. Claro, não é toda vez que estou em casa dando sopa nesse horário, porque afinal, apesar do meu novo vício, continuo sendo uma moça muito trabalhadora.

Mas eu não tenho certeza se quero realmente entender e fazer parte do diálogo da maioria. É que quando você acompanha uma novela, percebe que aqueles nomes que as pessoas viviam falando no elevador, na aula de ginástica, no balcão da padaria, nomes como Helena, Marcos, Luciana, Tereza, não se referiam a parentes ou amigos das pessoas que os pronunciavam, você descobre, que aqueles nomes todos sempre foram nomes dos personagens das novelas que você nunca assistiu. Só que agora você assiste, e pior, você agora não só entende o que as pessoas estão falando, como também opina, defende um, xinga outro e descobre que na verdade, o público não quer ser surpreendido, já que as revistas especializadas contam quase a novela toda antes dela começar. O público quer virar uma ameba depois do trabalho e ter assunto para o dia seguinte, basicamente isso. Não pega bem , eu sei, tornar pública a condição na qual me encontro, é horrível mesmo, fico olhando para os meus livros e pedindo que eles me resgatem dessa areia movediça que é a tele-dramaturgia. Espero ansiosa que eles me lancem um pedaço de cabide ou corda na qual eu possa me segurar, e assim que isso acontecer, juro, caio fora dessa lama e volto a não ter assunto com as ascensoristas.



(Eu e meus livros, agora empoeirados.)

3 comentários:

  1. te achei corajosa... moro no mesmo quintal da minha avó e de vez em qdo, pra conseguir um aconchego, sento ao lado dela e assisto um capítulo ou outro... e realmente... de repente uma porta pra vida social no elevador se abre... rs

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  2. Por um colo de vó, mesmo que a novela seja o fim da picada, vale a pena...bj

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  3. Dá para ter assunto só vendo as capas das revistas na fila do caixa dos supermercados!

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