Moscou, 9 de março, 5 graus
A comida do alojamento onde estamos hospedados, um retiro
dos artistas do antigo cinema soviético, é cruel. De manhã um prato com uma
salsicha, um ovo excessivamente cozido, um mingau oleoso, pão, queijo e chá. A
noite uma papa de arroz com pedaços de carne ou frango. E assim seguimos a procura
de um café decente. Mas o mais difícil é encontrar o ator para fazer o papel do
Sasha. Tivemos um casting exaustivo e
memorável. Tatu sugeriu fazer um minuto de olho no olho entre eu e os
candidatos e eu inventei um pequeno tema para improvisação. Charly nos dirigiu.
O primeiro ator era simpático, mas sem carisma. O segundo tinha muito carisma,
mas estava demais a vontade para um papel de tímido, e Charly achou ele velho demais
para o filme. Embora eu também esteja velha para meu próprio papel. O outro era tão travado que achei que fosse paralisar diante de
nós. O desespero foi tamanho que fizemos
um casting até com o garçom que nos atendeu no bar. Fim do dia vieram mais dois
candidatos, e eu me senti uma pedófila
profissional, de tão novos que eram. O penúltimo era razoável, mas tinha uma
cárie bem no dente da frente. E o derradeiro era um broto, e bom ator, mas era
uma criança e tinha um tersol em cima
da pálpebra esquerda. Pensamos seriamente em chamar o verdadeiro Sasha para
fazer o filme. Eu gosto da ideia, mas me constrange um pouco. Já o Charly acha ele horrível nas fotos que
viu na internet, mas é claro que ele está exagerando.
Tem uma gata preta gorda que mora na porta do refeitório ao
lado de um pote de água, um de ração e outro que parece ser de feijão com
presunto. Tem também alguns senhores e senhoras que moram no edifício, por aqui
circulam e vez ou outra interagem conosco. Estamos com muita dificuldade de
cumprir o roteiro no nosso cronograma, de conseguir documentar os momentos
inusitados e de entender o que da história original funciona e o que deve ser
repensado. É difícil pensar na
continuidade dos figurinos, e se isso realmente importa. O que é mais
importante, captar o que está acontecendo agora ou registrar a ficção? Mas o
inusitado sem a narrativa funciona? E a ficção sem a vivencia é válida neste
tipo de projeto? É uma crise conceitual que junto com as quatorze horas por dia
de filmagem está me deixando um bocadinho louca. O Sasha verdadeiro vinha hoje
para o teste, o que poderia me causar sérios problemas conjugais, mas não veio,
por que no meio do caminho descobrimos um ator perfeito, bonito e inteligente
para o papel. Misha. Fiquei muito empolgada com ele, que compreendeu totalmente o filme. Só que surgiu
um pequeno probleminha no meio do caminho. Manu, que logo foi perguntando se
ele tinha facebook e jogando seu olhar 43 para ele. Ele ficou absolutamente deslumbrado e
agora meu ator, que deveria estar totalmente embasbacado por esta que vos fala,
e estar concentrado em seu papel, fica convidando minha amiga para sair. Ok,
somos todos profissionais e ninguém precisa estar afim de ninguém para fazer um
par romântico. Acontece que na dinâmica desse filme, onde o roteiro é
complementado pela improvisação e onde a vida imita a arte e vice versa, etc e
tal, vai ficar difícil fazer um clima com o Sasha fake se ele só pensa na
Manuela. Ódio. Estamos pensando seriamente em mudar esta história.
(salada georgiana)
11 de março, 4 graus
(Soraia, musa)
12 de março, 4 graus
Faz dois dias que tentamos assistir um dvd de “The Child” na
van que nos leva para as locações. Geralmente durmo no meio. Fomos assistir a
uma montagem de “O Jardim das Cerejeiras” no teatro de arte de moscou para
captar algumas cenas e claro, metade da equipe dormiu. Saímos correndo no
intervalo, e nem me senti culpada pela heresia cometida. Filmamos cenas no
metrô, nas ruas, no mercado. A câmera grande causa estranheza e falta de
naturalidade nas pessoas. A câmera pequena, que estamos usando para este tipo
de cena, passa quase desapercebida. O Charly não tem o costume de dar o AÇÃO,
talvez por que este filme não seja só uma ficção, mas também o costume de ir
captando o que tiver pela frente. Num caso como este o AÇÃO se torna
desnecessário ( acho que é esta a lógica dele), mas eu sou uma atriz que ligo
um botão quando alguém grita esta palavra.
AÇÃO funciona para mim. E CORTA também, outra coisa que não existe aqui.
Geralmente eu e Manu andamos quilômetros desnecessários por falta de um CORTA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário