terça-feira, 18 de março de 2014

come chocolates pequena



13 de março
Hoje passei umas dez horas em pé com uma câmera atrás de mim. Meu pé está mais cansado que o das velhinha do alojamento. O Charly não consegue mais dormir e acumula olheiras cor de jabuticaba no rosto. Grabo, nosso assistente de direção está febril, devido a seu acúmulo gigante de funções. Tatu também começou com uma tosse e Eliane desenvolveu uma alergia. Todos nós esperamos ansiosamente as nossas merecidas e ininterruptas horas de sono. E veio a véspera de folga. Nos jogamos num restaurante georgiano, nos esbaldamos com os chopes e os kebabs e os sacos cossacos, uns raviólis gigantes de carne. Depois caímos numa balada e dançamos como crianças na pista que variava entre daft punk, lambada, e música pop russa. Fizemos trenzinhos com os russos quando tocou “Chorando se foi...”. Conversei longamente com uma russa que defendia o Putin. E eu disse: “Mas não é perigoso um homem que está proibindo, por exemplo, o povo de comprar bebida álcoolica depois das onze da noite no mercado?”. Ela disse que não, que as pessoas de bem podem comprar bebidas até as dez e meia ou tem condições de ir a um bar para consumir álcool. E que Putin está ajudando a acabar com a imagem de bêbados que o russos tem no resto mundo. Paramos a conversa por aí. Outro dia era 23:02 e a caixa não pode passar o champanhe que eu queria tomar naquela noite.  Os champanhes são bons aqui, e não são caros, o que é um perigo para mim. Na volta da balada, passamos duas horas num taxi surreal para chegar ao alojamento. Lá pelas tantas ele parou o carro e nos empurrou para um taxi oficial.  O motorista queria cobrar uma fortuna, e nós estávamos bêbados e voltamos correndo para o carro anterior, cujo motorista não tinha a menor ideia do caminho de nosso dormitório.

14 de março
Dia de folga. Vimos o material. Charly acha tudo ruim. Medíocre. Eu acho que tem coisas boas. Passei a tarde com Soraia, a ler poemas, comer chocolates e a me deprimir com a palavra medíocre.

15 de março -5 graus
Primeiro vieram uns floquinhos que não imprimiram. Depois a neve de papel picado. Bonita. É nós corremos pro lado de fora para mão perde-la. Dez minutos e eu gripei. Trinto e oito, trinta e nove de febre. Bruno, o diretor de produção, me comprou um arsenal com antibióticos, vitaminas, aspirinas, levantadores de sistema imunológico e até um pote com mel que veio da neta de um apicultor que ele conheceu no mercado e se compadeceu da minha situação. Eu passei o dia suando, assoando, tossindo e fazendo uma reunião interminável com quase toda a equipe sobre a dinâmica de filmagem, enredo etc. E dá-lhe ouvir cinco horas de opinião alheia com os pulmões judiados. Por fim abolimos o roteiro ( que eu passei três anos escrevendo juto com o Charly) em prol de abrir espaço para captar as novas vivências. E dormi entre o pó secular que pairava no meu quarto e um criado-mudo abarrotado de medicamentos e bulas indecifráveis.

16 de março -6 graus
Nunca um roteiro abolido foi tão utilizado. Mas só de se libertar da obrigação de cumprir um cronograma o Charly já respirou diferente. Minha febre baixou, e subiu de novo. Eu me entediei nos corredores do Gogol Center enquanto o Charly filmava uma cena com o Michel e uma atriz russa, estrela do cinema e do teatro local que insiste em tratar eu e Manu com uma frieza siberiana. Mas vê-se que é uma baita atriz. Nosso diretor está muito mais satisfeito com ela do que conosco. A noite esfriou horrores e saímos para flanar na madrugada de Moscou enquanto eu sofria camelamente por não estar presente na estreia do meu filme, Entre Nós, em São Paulo. Queria pegar um jato e fazer um bate volta, mas a física é tão limitada às vezes. Deu saudades do Brasil, do namorado e do meu edredon. Tão limpinho, sem ácaros e outras coisas que tomaram conta do meu nariz. A cada novo dia alguém acorda doente, uma verdadeira epidemia no time. Sorte eu já estar criando anti-corpos

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