segunda-feira, 31 de março de 2014

quero ser um país novo








                                               
                                               



Manu ia estudar o texto mas dormiu, e 
enquanto todos babavam na van, nosso diretor estudava...



Moscou, dia 20 de março, sensação térmica de -10 graus

Comprei o mr.muscle,  um desinfetante de banheiro, e a cada dois dias encharco minha privada e banheira com ele. Depois jogo água pelando, deixo escorrer, secar e preparo uma banheira bem quentinha pra mim. Uma parte da equipe tem nojo da banheira, mas eles não tem noção do que estão perdendo, um banho desses depois de um dia de frio pode operar milagres. 

Nossas filmagens entraram no prumo. O inesperado tem se conjugado harmoniosamente dentro de nossa ordem do dia, ou melhor, nossa desordem do dia. As cenas estão boas e o Charly tem conseguido fazer o que quer e parece mais satisfeito com o material. As aulas engrenaram, apesar de quase todos os figurantes terem desaparecido e o jantar do alojamento foi trocado por um catering deixando nossa vida um pouco mais digna.

Eu, que pessoalmente tenho dificuldade de fazer cenas onde “nada” acontece, tenho me sentido bem mais a vontade nesse tipo de plano. Minha febre passou e foi substituída por uma alergia feroz, mas nada que um novo comprimido não tenha resolvido. Enquanto uns se curam outros adoecem, e assim, nosso set continua uma sinfonia de tosses. Eu comprei uma casaco novo pela pechincha de 999 rublos e confinei a Sarita à mala de figurinos, já que outro dia filmamos meu tombo na neve e ele ficou mais rasgada do que já estava. Não sei direito como fiz para levar o tombo, mas foi engraçadíssimo,  e quase tão bom quantos os outros tantos que eu levado espontaneamente por aqui.


Na saída da embaixada fomos para a torre, umas das sete irmâs de Stalin, que alugamos por algumas noites como locação e casa de Michel. Estávamos tão feliz que começamos a dancar. No meio da noite começou uma tempestadade de neve e corremos para o terrraço, no vigésimo quinto andar para comemorar. O vento branco cobria e cidade e vinha em nossa direção com violência. Dava medo.

As duas da manhã o Charly abaixou o som e fez um discurso chatíssimo "Vocês tem que dormir, essa festa acaba hoje, mas a cena que vocês tem que filmar amanhã ficará para sempre. Marta você não tem estrutura para ficar na balada e filmar. Todos vocês, já para a van." Eu entrei resignada na van. Alguns resistiram por dez minutos mas acabaram obedecendo o diretor. Manu, a mais rebelde, ficou na festa. Voltamos para o dormitório, e de vingança, roubamos um conhaque que o Charly tinha ganhado de um russo e continuamos a festa no quarto.

29 de março
Hoje iámos filmar uma cena inacabada, de balada, eu, Manu e Michel. A gente filmou na semana passada mas a Caroline achou que não tinha material suficiente para montar. Então devíamos estar na continuidade para fazer mais alguns planos. Peguei minha calça que tinha mandado para lavar e entrei no quarto da Manu desesperada "Manu, minha calça não fecha em três dedos." Manu teve um ataque de riso pois a saia dela também estava justíssima e ela tava um bochechão, a cara inchada e os dois joelhos roxos de uma queda recente. Soraia desceu com a cara péssima e um roxo embaixo do olho por causa de uma cotovelada que levou da Flor. E Michel apareceu com um papo de quem bebeu vodka a semana toda. Ou seja, a hora que formos cortar de um plano para o outro, na mesma cena, nós vamos estar totalmente diferentes, em franca decadência. Além disso cai pela quarta vez e estou mancando.

30 de março
Acordamos de ressaca na manhã de folga e estava acontecendo uma grande convenção aqui no alojamento: "Como viver até os cem anos". Russos e russas em calças de moleton aprendiam exercícios de respiração, anotavam conselhos em seus cadernos e compravam um dvd com um homem cheio de músculos enrolado numa corrente grossa na capa. Eu estou muito apegada a este lugar, à Natasha e Irina, que nos servem o café da manhã, à Esvetana, porteira de cara amarrada, aos velhinhos e à Ina, minha vizinha, que no alto de seus cem anos às vezes aparece no corredor de calçinha e camiseta a procura de algo que eu não consigo entender o que é. É uma cena triste.Também estou num caso de amor a com toda a equipe. É sempre terrível passar um mês trabalhando, adquirindo uma intimidade forçada, conhecendo as caras que cada um tem pela manhã e no fim do dia, aturando e sendo aturada, formando uma familia e depois desfazer tudo depois do último take. O cinema é uma vida cigana.

31 de março
Acho que esse filme vai ficar bonito.

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